terça-feira, 5 de março de 2013
Chave de Rauteck
Chave de Rauteck é uma manobra executada para remoção rápida de uma vítima de acidente automobilístico com suspeita de lesão na coluna cervical a ser realizada por um socorrista ou pessoal treinado, que permite a extricação da vítima por uma pessoa sem o uso de equipamentos, desde que a vítima esteja no banco dianteiro não encarceirada (a vítima deve ser acessível pela porta dianteira). A manobra só é indicada em casos de extrema necessidade de extricação do veículo, como parada cardiorrespiratória ou risco de incêndio.
Execução
Após realização do ABC rápido - exame dos dados vitais - e de outras tarefas que antecedem o resgate (como sinalização, análise de riscos de novos acidentes e da real necessidade de execução da manobra, pedido de socorro especializado), deve-se seguir os seguintes passos:
Liberar o cinto de segurança e os pés da vítima.
Com o rosto voltado para a frente do carro, passar o braço direito por trás do ombro direito da vítima e, em seguida, sob sua axila.
Pressionar a face da vítima contra a do socorrista com a mão esquerda, para garantir estabilidade ao pescoço.
Segurar, com sua mão direita, a vítima pela roupa (cinto da calça, por exemplo) junto com seu braço direito.
Girar a vítima 90º graus para a direita e removê-la vagarosamente.
VER EM:
(http://www.youtube.com/watch?v=Xxo-fsOLIRw)
CONDUTA DE RETIRADA DO CAPACETE
TÉCNICA DE RETIRADA DO CAPACETE:
Geralmente as vítimas conscientes não se encontram com capacete na cena do acidente por três razões: Uso inadequado do capacete por não usar a jugular ou tamanho inadequado;
A vítima consciente retira o mesmo por causa do incômodo;
As pessoas leigas na cena do acidente com intenção de ajudar retiram o capacete da vítima.
A técnica consiste em retirar o capacete de um motociclista no local do acidente.
Para tanto temos que considerar a posição que a vítima se encontra. A vítima pode estar, de uma maneira geral, em duas posições: decúbito dorsal e decúbito ventral. Nos tópicos seguintes serão abordadas as técnicas para as duas situações.
CONDUTA DE RETIRADA DO CAPACETE: 1-Priorizar a segurança através da “REGRA DOS TRÊS ESSES”; 2-Realizar o ABCDE observando a cinemática do trauma;
Socorrista em quatro pontos. 3-Socorrista 1: Usar quatro pontos de apoio com os cotovelos apoiados na coxa;
4-Socorrista 1: Estabilizar a cervical. Segurando no capacete utilizando os antebraços e a curvatura da mão. Com os dedos segure a mandíbula da vítima para que a cabeça não oscile muito durante a movimentação e neutralização. Procurar manter os cotovelos apoiados na coxa ou no chão;
5-Socorrista 2 : Deverá soltar ou cortar o tirante do capacete, enquanto o Socorrista 1 mantém a estabilização;
6-Socorrista 2: Fazer a “pegada do colar” e falar “A estabilização é minha” quando estiver pronto a estabilização da cabeça da vítima. A pegada do colar é feita pelas mãos imitando o formato do colar cervical. Deve-se colocar o polegar e o indicador de uma das mãos segurando a mandíbula e com a outra na parte posterior do pescoço, usando também o polegar e o dedo indicador da região do occipital, fixando a coluna cervical;
7-Socorrista 1 : Retirar o capacete. Abrir o capacete nas laterais com as mãos e em movimentos oscilatórios puxar em direção ao corpo do próprio socorrista até passar pelo nariz, depois retira-lo totalmente;
8-Socorrista 1: Assumir a estabilização falando “A estabilização é minha”. Segurando a cabeça por trás, apoiar os cotovelos na coxa e/ou no chão.
9-Socorrista 2 : Colocar o colar cervical. Abrir o colar com os dedos médio e as duas partes do colar se encaixa de forma única. Se preferir, coloque a parte posterior primeiro em vítimas deitadas ou sentadas;
10-Socorrista 3 : Trazer a prancha longa e auxiliar nas manobras de rolamento em bloco; 1-Continuar com as movimentações da vítima na prancha para centralizar a mesma; 12-Continuar com o atendimento e avaliação durante o transporte.
Nota 1: A retirada do capacete deve ser feita o mais rápido possível. Nota 2: Retirar o capacete da vítima antes da movimentação na prancha, exceto em vítimas em decúbito ventral que necessita primeiro do rolamento passando-a para decúbito dorsal. Nota 3: A retirada do capacete só será feita na posição de decúbito dorsal, exceto quando a mesma estiver presa em algum lugar que não dê para colocá-la nesta posição. Nota 4: Não retirar o capacete se houver objeto transfixado.
segunda-feira, 4 de março de 2013
Trauma de Tórax Fechado
TRAUMA DE TÓRAX FECHADO
Trauma torácico, com elevação da cúpula frênica D - Sugestivo de hérnia diafragmática
Trauma é a terceira maior causa de morte nos Estados Unidos da América e a
primeira causa de morte em pessoas abaixo de 40 anos. Há quase 100.000 mortes por
acidentes e acima de 9.000.000 de lesões incapacitantes, anualmente. Cerca de 25% das
mortes por traumas fechados são devido a lesões torácicas. Apenas 15 % requerem
tratamento cirúrgico extenso e 85 % são resolvidos por pequenos procedimentos.
Paralelamente, as injúrias torácicas têm um grande impacto médico-social, já que
constituem causa direta de morte de aproximadamente 25% das mortes relacionadas aos
traumas, bem como contribuem indiretamente por outros 25% de todas as mortes, sendo,
dessa forma, a segunda maior causa de morte associada ao trauma a cada ano. A incidência
de trauma torácico, nos EUA, é de 12 eventos por milhão de habitantes a cada dia,
estimando-se que ocorram 100.000 de internações hospitalares, bem como 16.000 mortes
por ano, neste país, devido exclusivamente às injúrias no tórax. Ainda, cerca de 60% dos
pacientes, que necessitam ser transferidos para o centro cirúrgico nas primeiras 24 horas,
são pacientes com trauma torácico fechado. Cabe salientar que, dos traumas torácicos,
grande parte é trauma fechado (aproximadamente 90% dos traumas torácicos). A
mortalidade elevada dos traumas torácicos relaciona-se intrinsecamente com a presença de
órgãos vitais de extrema importância na manutenção da homeostasia, tais como os pulmões
e o coração, bem como pela presença de vasos sangüíneos bastante calibrosos (artéria aorta,
veias cavas, artéria pulmonar).
FISIOPATOLOGIA
A hipóxia tecidual, a hipercapnia e a acidose são resultados freqüentes do trauma
torácico. A hipóxia ocasiona uma oferta inadequada de oxigênio aos tecidos, causada pela
hipovolemia, por alteração da relação ventilação/perfusão pulmonar e por alterações nas
relações pressóricas intratorácicas. A hipercapnia resulta de ventilação inadequada ,resultante das alterações nas relações pressóricas intratorácicas e de um rebaixamento do
nível de consciência. A acidose metabólica é causada pela hipoperfusão dos tecidos.
Estudos recentes indicam que há uma complexa resposta celular e molecular à injúria
levando a uma falência de múltiplos órgãos. Esta resposta é freqüentemente manifestada e
diagnosticada nos pulmões como Síndrome de Angústia Respiratória Aguda (SARA).O
parênquima pulmonar é um tecido muito delicado e implacável ao trauma. Além disto, os
resultados pulmonares da injúria são facilmente identificados e quantificados pela
radiografia de tórax, gasometria arterial, shunt artério-venoso, e pressão arterial e venosa
pulmonar, e débito cardíaco aferidos pelo catéter de Swan-Ganz.
A resposta sistêmica ao trauma tem sido freqüentemente mencionada como Síndrome da
Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS). Esta pode ocorrer no choque hipovolêmico, sepse,
e lesões penetrantes ou fechadas; o processo de injúria e isquemia relativa de um órgão ou
tecido seguido de reperfusão tem uma seqüela molecular conseqüente.
Os eventos torácicos fechados habitualmente envolvem uma grande área do tórax, sendo
que quaisquer estruturas podem ser afetadas, incluindo as costelas, as clavículas, as
escápulas, o esterno, as pleuras, os pulmões, a árvore traqueobrônquica, o esôfago, o
diafragma, o coração e as estruturas vásculo-nervosas. Não se pode esquecer também de
que os traumas torácicos fechados geralmente são acompanhados de danos extratorácicos,
potencializando os danos pessoais pelo trauma. Existem dois mecanismos que determinam
as lesões no trauma torácico fechado: primeiramente, a transferência direta da energia
cinética à parede torácica e aos órgãos internos e, em seguida, a desaceleração diferencial
que ocorre nos órgãos após o impacto torácico. Dessa forma, os órgãos internos são
lançados sobre a parede torácica interna, podendo ocorrer danos tanto pelo impacto direto
sobre a parede, quanto por arrancamento de estruturas firmemente ligadas à parede torácica
posterior. Em suma, a fisiopatologia dos traumas torácicos fechados, basicamente, envolve
alterações no fluxo de ar, sangue ou ambos, bem como sepse devido à lesão de esôfago. TIPOS DE
LESÕES E ACHADOS CLÍNICOS
Arcos costais
As costelas estão entre as estruturas mais comumente afetadas nos traumas,
ocorrendo fraturas costais em aproximadamente 10% de todos os traumas e em cerca de
60% dos torácicos fechados, sendo a porção lateral das costelas 3 a 8 as mais acometidas
pelos traumas torácicos, principalmente por constituírem na porção onde se desenvolve a
maior pressão originada pela compressão torácica. Além disso, as costelas envolvidas
podem orientar o médico assistente sobre os tipos de lesões associadas a estas fraturas. Por
exemplo, as fratura da primeira e segunda costelas indicam um trauma de extrema violência
e de alta morbi-mortalidade (mortalidade em torno de 30%), porquanto esses arcos costais
são protegidos anteriormente pelas clavículas e posteriormente pelas escápulas, levando o
médico a pensar em graves lesões de órgãos internos.
Ainda, as fraturas de costelas contribuem diretamente para a disfunção ventilatória
através de diversos mecanismos, entre os quais se destaca a dor torácica ventilatóriodependente e, conseqüentemente, os distúrbios relacionados à ventilação-perfusão. As
fraturas de costelas podem gerar outras conseqüências importantes, tais como laceração
pleuro-pulmonar, bem como laceração das estruturas vásculo-nervosas da parede torácica,
podendo, assim, produzir pneumotórax, hemotórax ou ambos, desempenhando importante
alteração na ventilação. Enfim, o tórax instável, uma lesão gravíssima da parede torácica
caracterizado por lesão em duas ou mais costelas, em dois ou mais locais, provoca um
movimento paradoxal da parede torácica durante a ventilação, tornando-a dificultosa e
dolorosa, deteriorando severamente o quadro respiratório do paciente acometido, sendo
necessárias condutas imediatas. Normalmente, quando um paciente apresenta lesões desta
espécie, deve-se investigar lesões em outros sítios, pois habitualmente existem danos
associados.
Clinicamente, os pacientes com fraturas de costelas, geralmente, apresentam dores
intensas no local da fratura, associada ao movimento respiratório ou à palpação local.
Também, pode-se sentir crepitações à palpação da área fraturada. Nos casos de fraturas múltiplas, em que há um tórax instável, observa-se o movimento paradoxal do tórax, sendo
que esta observação determina ação imediata devido à gravidade do trauma. Nestes casos, é
imprescindível manter-se atento à freqüência respiratória, para avaliar possível deterioração
da função pulmonar.
Fraturas do Esterno
As fraturas de esterno são fraturas incomuns habitualmente causadas por trauma
direto sobre o esterno. Os acidentes com veículos automotores são a principal causa deste
tipo de lesão, sendo mais comum em pacientes que utilizam cinto de segurança de três
pontos do que naqueles que não utilizam estes dispositivos de segurança. Os pacientes que
têm fraturas esternais pós-trauma torácico fechado apresentam outras estruturas anatômicas
afetadas em 55-70%, mais comumente envolvendo as costelas, ossos longos e traumas
crânio-encefálicos fechados. A contusão cardíaca ocorre em menos de 20% dos traumas
que geram fraturas de esterno, porém sempre deverá ser pesquisada no momento do
diagnóstico da lesão esternal.
O paciente com fratura de esterno queixa-se, normalmente, de dor na área fraturada,
bem como referem dor à inspiração ou uma sensação de dispnéia. Ao exame físico, os
pacientes apresentam uma área de equimose, edema, crepitação à palpação e deformidade
anatômica na região fraturada (os terços superiores e médio são mais afetados nos traumas
torácicos).
Pneumotórax
O pneumotórax é uma complicação freqüente dos traumas torácicos. A incidência
de pneumotórax, ajustada para a idade, é de 7,4 casos por 100.000 homens, enquanto que,
para as mulheres é de 1,2 por 100.000. Os pneumotórax são mais comumente causados, nos
traumas contusos, pela laceração do parênquima pulmonar por uma costela fraturada,
contudo pode ser determinado por desaceleração ou barotrauma. No trauma torácico
fechado, o pneumotórax simples ocorre pelo escape de ar para o espaço pleural através de
uma injúria pulmonar subjacente, causando um colapso gradual do pulmão ipsilateral, sem
que ocorram deslocamentos mediastinais. Este tipo de complicação leva, principalmente, a
uma diminuição da capacidade vital pulmonar e, por conseguinte, a uma diminuição da
pressão parcial de oxigênio. O pneumotórax simples é muito bem tolerado por pacientes jovens, sem doenças pulmonares prévias, enquanto que os pacientes idosos e aqueles com
doenças pulmonares são mais suscetíveis a complicações devido a esta diminuição da
função pulmonar.
Por outro lado, o pneumotórax hipertensivo constitui-se numa situação de alto risco
para a vida do paciente, necessitando de intervenção imediata. Esta patologia caracteriza-se
por um fluxo aéreo para o espaço pleural e um mecanismo de válvula impedindo o retorno
parcial deste ar, gerando aumento gradual da pressão intrapleural e, com isso, colapso
pulmonar e deslocamento do mediastino. O desvio mediastinal leva a colapso
cardiovascular e, portanto, sendo uma condição de elevada mortalidade.
Os pacientes com pneumotórax simples apresentam-se com dor torácica tipo
pleurítica, associada à dispnéia e taquipnéia. Além disso, podem ocorrer alterações
hemodinâmicas, especialmente, naqueles pacientes com pneumotórax hipertensivo, devido
ao aumento da pressão intrapleural, o qual diminui o retorno venoso (às vezes causando
colapso da veia cava inferior), bem como pelo desvio do mediastino, contralateralmente,
deteriorando a função cardiorrespiratória. Os pacientes com pneumotórax hipertensivo
podem apresentar, concomitantemente, ansiedade extrema, cianose, diminuição ou ausência
do murmúrio vesicular ipsilateral à lesão, retração intercostal, hiperressonância torácica,
distensão da veia jugular externa, taquicardia, pressão de pulso diminuída, enfisema
subcutâneo e desvio traqueal. Obviamente, nem todos os sinais descritos acima precisam
estar presentes para que se diagnostique o pneumotórax e se iniciem as manobras para
restauração da normalidade da função cardiorrespiratória.
Hemotórax
O hemotórax, que se caracteriza pela presença de sangue na cavidade pleural,
constitui-se em complicação bastante comum dos traumas torácicos. Não obstante, cabe
lembrar que é um evento mais freqüentemente encontrado em pacientes com trauma
torácico penetrante do que em pacientes com trauma torácico fechado, sendo que as causas
mais comuns de hemotórax determinadas por trauma torácico fechado são as lacerações
pulmonares, rompimento de artéria mamária ou lesão de vasos da parede torácica.
Paralelamente, o volume de sangue perdido para o espaço pleural depende do tempo
de evolução do quadro e também dos vasos sangüíneos acometidos, pois os sangramentos provenientes de lesão parenquimatosa pulmonar geralmente são de pequena monta, devido
à baixa pressão da artéria pulmonar, enquanto que uma lesão de grandes vasos torácicos
tem potencial para determinar choque hipovolêmico rapidamente, pois o volume de sangue
que pode ser “armazenado” no espaço pleural chega a três litros em cada hemitórax, ou
seja, cerca de 40% do volume sangüíneo total de uma pessoa de aproximadamente 70
quilogramas. Além disso, da mesma forma que no pneumotórax, o volume de sangue em
cada hemitórax pode determinar aumento significativo da pressão intrapleural, gerando um
hemotórax hipertensivo, embora o hemotórax hipertensivo seja incomum.
Os achados clínicos são dependentes do volume de sangue perdido para o espaço
pleural e também a extensão do colapso pulmonar associado. Os pacientes podem
apresentar dor torácica, dispnéia e, em caso de hipovolemia, associam-se ansiedade e
confusão. Compreendem os sinais de hemotórax a taquipnéia, a diminuição ou ausência do
murmúrio vesicular, a presença de macicez e, nos casos de perda sangüínea considerável,
tem-se os sinais de choque hipovolêmico (extremidades frias, taquicardia, pulso filiforme e,
mais tardiamente, queda importante da pressão arterial).
Por fim, não se pode esquecer de que a laceração pulmonar pode produzir um
hemopneumotórax, que se caracteriza pela presença simultânea de ar e sangue no espaço
pleural. Esta lesão é clinicamente semelhante tanto ao pneumo, quanto ao hemotórax.
A pleuroscopia convencional ou vídeo-assistida no manejo diagnóstico e terapêutico
dos pacientes vítimas de traumatismo torácico concebe uma alternativa minimamente
invasiva, eficaz no que se refere à inspeção da cavidade pleural e, definitivamente,
incorporada à prática da cirurgia torácica contemporânea.
Exceção aos pacientes com instabilidade hemodinâmica e sangramento que
represente risco eminente de vida, alargamento do mediastino, escape aéreo de grande
monta, ou naqueles em que a opção por drenagem pleural fechada foi suficiente para
correção das lesões decorrentes do trauma, a indicação de pleuroscopia deve ser
seguramente considerada. Quatro situações sustentam esta posição: persistência de
sangramento pelo dreno pleural com estabilidade hemodinâmica, hemotórax coletado e/ou
coagulado, empiema pós-traumático e o diagnóstico da hérnia diafragmática traumática. Contusão Pulmonar
Ë o mais comum dos traumatismos de tórax potencialmente letais. Esta lesão é mais
comumente vista em associação com trauma torácico, podendo ocorrer em 30 – 75% dos
pacientes com trauma torácico. Ocorre tanto em ferimentos abertos quanto fechados mas,
mais comumente, ocorre após acidentes automobilísticos, quando o tórax do paciente se
choca contra o volante ou a porta do automóvel. É também visto após queda de altura e
feridas por arma de fogo. Contusão pulmonar isolada é muito menos comum.
Os achados patológicos da contusão pulmonar parecem ser o resultado de lesões nas
paredes alvéolo-capilares. Traumas leves demonstram edema intersticial e hemorragia
intra-alveolar enquanto traumas mais severos demonstram edema intersticial mais extenso e
hemorragias, tanto intra-alveolares quanto nos espaços intersticiais. Estes achados
patológicos demonstram ser mais severos em áreas limitando a parede torácica, diafragma e
mediastino. Em áreas adjacentes do parênquima não lesado, podem desenvolver atelectasias
e consolidações devido ao aumento da produção de muco, sangramento e edema enchendo
a árvore brônquica, e diminuição da concentração de surfactante acompanhado pelo
aumento da capilaridade pulmonar.
Foram encontradas elevações da resistência arterial nas contusões pulmonares, diminuição
da complacência, do surfactante e fluxo sangüíneo. A diminuição da complacência,
aumento da resistência vascular pulmonar e diferença na oxigenação alveolar-arterial tem
demonstrado ser um bom indicador da extensão da lesão pulmonar. Alguns estudos
sugerem que a hipóxia afeta diretamente a musculatura lisa da vasculatura pulmonar,
enquanto outros estudos sugerem que a hipóxia cause liberação de substâncias mediadoras
como leucotrienos, prostaglandinas e prostaciclinas.
Trauma fechado do tórax, quedas, explosões e feridas por projétil de alta-velocidade no
tórax devem sugerir que pode haver possibilidade de desenvolvimento de contusão
pulmonar. Dispnéia, taquipnéia, hemoptise, cianose e hipotensão são achados freqüentes. O
exame físico no entanto, pode não revelar a presença de uma contusão severa. Pode haver
diminuição de sons cardíacos. Ausência de sons cardíacos pode indicar a presença de
pneumotórax ou hemotórax associados. Infiltrados alveolares devido à hemorragia intraalveolar são vistos na radiografia. Estes infiltrados podem coalescer em infiltrados homogêneos envolvendo um lobo ou todo o pulmão. Infiltrados perihilares, devido ao
sangramento no septo interlobar e espaço peribrônquico, são ocasionalmente vistos em
associação com infiltrados alveolares. O sangramento intrapulmonar alcança sua máxima
extensão em aproximadamente 6 horas. Tomografias computadorizadas tem demonstrado
ser muito mais sensíveis em demonstrar as alterações nas contusões pulmonares do que as
radiografias de tórax de rotina.
A progressão de uma contusão pulmonar, radiograficamente, após 48 horas, deve levantar a
suspeita de desenvolvimento de aspiração, pneumonia bacteriana ou SARA. Uma
radiografia de tórax de um paciente com contusão pulmonar geralmente retorna ao normal
entre 4 – 6 dias. Na TC entretanto, anormalidades ainda podem permanecer evidentes.
Pacientes com contusão pulmonar podem se tornar criticamente doentes rapidamente,
portanto, eles devem ser hospitalizados para monitorização cuidadosa. Deve ser
administrado oxigênio suplementar para manter uma PaO2
acima de 60 mmHg. Analgésicos
intravenosos devem ser usados para controle da dor. Fisioterapia torácica vigorosa é
importante para manter limpas as vias aéreas e ajudar a prevenir o desenvolvimento de
atelectasias. Qualquer complicação pleural deve ser manuseada através de uma apropriada
drenagem. Se a ventilação é inadequada, a entubação e suporte ventilatório mecânico estão
indicados.
A insuficiência respiratória pode ser pouco evidente e desenvolver-se progressivamente.
Deve-se evitar a entubação desnecessária; ventilação espontânea evita uma série de
complicações. À hipóxia significativa (PaO2 <65 mmHg em ar ambiente, SaO2 < 90%)
devem ser entubados e ventilados na primeira hora após a lesão.
As contusões pulmonares não são inócuas. Em um estudo, 11 % dos pacientes com graves
contusões pulmonares isoladas morreram, enquanto que a mortalidade foi muito mais alta
(22%) em pacientes com lesões associadas. A SARA se desenvolveu em 17% dos pacientes
com contusões pulmonares isoladas e em 78% daqueles com 2 ou mais lesões simultâneas
associadas.
O emprego da radiologia torácica convencional continua sendo um excelente método
diagnóstico e de acompanhamento. Porém, a tomografia computadorizada de tórax permite
confirmação de lesão pulmonar, sua quantificação, avaliação de estruturas vizinhas e
espaço pleural oferecendo importante orientação diagnóstica, terapêutica e prognóstica. Wagner estabeleceu uma classificação tomográfica descrevendo quatro tipos de lacerações
pulmonares e contusão.
TIPO I: Lesões decorrentes da compressão da parede torácica e conseqüente
explosão alveolar. A lesão mais freqüente.
TIPO II: Compressões intensas da parede torácica inferior, levando a compressão do
lobo inferior junto à coluna vertebral, provocando laceração em
tecido adjacente. A segunda colocada em termos de incidência.
TIPO III: Lacerações pequenas nas adjacências de fraturas costais, sendo
provocadas por estas.
TIPO IV: Lacerações provocadas por compressão da parede costal e ruptura
parenquimatosa em proximidades a aderências pleuro-pulmonares.
Trauma Traqueal e Brônquico
As injúrias traqueo-brônquicas, devido ao trauma torácico fechado, ocorrem através
de fraturas, lacerações ou arrancamento, sendo que o trauma contuso gera, especialmente,
as fraturas traqueais. Os mecanismos traumáticos mais importantes envolvidos nas lesões
traqueo-brônquicas são a desaceleração brusca e as compressões diretas sobre a traquéia ou
sobre o brônquio. Na maioria das vezes (aproximadamente 85% dos casos), a ruptura
traqueobrônquica ocorre 2,5 centímetros acima da carina traqueal. As lesões traqueobrônquicas são bastante incomuns (0,8 a 2% dos pacientes traumatizados), porém são
altamente letais, pois muitas vítimas deste tipo de lesão não conseguem chegar vivas ao
hospital devido à insuficiência respiratória aguda. Simultaneamente, ocorrem injúrias a
outras áreas do organismo, proporcionando piora do prognóstico desses pacientes. Dessa
forma, os pacientes com laceração traqueobrônquica devem sempre ser considerados em
alto risco de morte.
Clinicamente, estes pacientes apresentam-se com dispnéia ou insuficiência
respiratória grave, muitas vezes, associadas a alterações de voz (freqüentemente não
conseguem falar), tosse com expectoração sanguinolenta e estridor. Além disso, as rupturas
traqueo-brônquicas produzem, rapidamente, um pneumotórax hipertensivo (cujo controle é
dificílimo apesar de drenagem torácica adequada) e, com isso, uma diminuição do murmúrio vesicular e uma hiperressonância ipsilateral, bem como desenvolvendo
instabilidade hemodinâmica (gerada pelo pneumotórax hipertensivo ou pela perda
sangüínea geralmente associada) e enfisema subcutâneo normalmente extenso.
Pneumomediastino
O pneumomediastino é uma condição relativamente freqüente em pacientes
traumatizados, sendo relatado em cerca de 10% dos pacientes com trauma torácico contuso
grave. O pneumomediastino ocorre em aproximadamente 1/10 000 internações nos EUA.
Existem diversas etiologias para a formação do enfisema mediastinal, dentre as quais, estão
a ruptura traqueobrônquica (ocorrendo em menos de 2% dos casos), a ruptura traumática do
esôfago (raramente), através da extensão de enfisema subcutâneo proveniente da região
cervicotorácica, pela passagem de ar para o mediastino devido a rompimento de víscera oca
abdominal, o efeito Macklin (causa mais freqüente), além das causas não estabelecidas. Os
mecanismos de trauma que levam à formação do pneumomediastino, através do efeito
Macklin, constituem-se de um aumento excessivo da pressão alveolar perivascular (devido
à inspiração profunda e ao fechamento da glote, que são mecanismos instintivos de defesa,
bem como pela compressão torácica exercida pelo impacto do trauma), fazendo com que os
alvéolos afetados sofram ruptura e, com isso, o ar escape para o tecido conjuntivo
perivascular, levando a uma dissecção das camadas do tecido broncovascular,
disseminando o enfisema pulmonar intersticial até o mediastino, provocando o
pneumomediastino. Cabe lembrar, que o pneumomediastino está associado a trauma
torácico severo, forçando o médico assistente a procurar por lesões graves em outras áreas
do paciente traumatizado.
Clinicamente, o paciente apresenta-se com enfisema subcutâneo extensamente
distribuído, devido à comunicação do subcutâneo da região cervical com o resto do corpo.
Ainda, o ar mediastinal pode passar para o retroperitônio e outros compartimentos
extraperitoniais. Além disso, dependendo da pressão exercida pelo ar mediastinal, pode
ocorrer a ruptura da pleura visceral mediastinal e, conseqüentemente, determinará a
formação de um pneumotórax fechado (10-18% dos pacientes), apresentando todo o quadro
clínico relacionado a esta patologia. Ruptura de Esôfago
Estima-se que as lesões de esôfago ocorram em aproximadamente 1% dos pacientes
com trauma torácico fechado, sendo mais comuns nos traumas penetrantes e por trauma
iatrogênico. Esta baixa incidência de lesões resulta, em parte, da posição mediastinal
posterior deste órgão. Apesar disso, as lesões traumáticas do esôfago são altamente letais se
não reconhecidas e tratadas em até 24 horas, pois há o rápido desenvolvimento de
mediastinite, bem como devido a lesões em outras regiões corporais. Normalmente, o
rompimento do esôfago é devido a um impacto violento sobre o abdome superior,
especialmente sobre o epigástrio, impelindo o volume gástrico, com extrema força, em
direção cranial e, conseqüentemente, elevando dramaticamente a pressão intraluminal
esofágica, levando a ruptura esofágica. As lesões ocorrem na porção cervical ou torácica
alta do esôfago, porém também são muito comuns as lacerações lineares do esôfago distal,
logo acima da junção esofagogástrica (freqüentemente à esquerda), tal como ocorre na
síndrome de Boerhaave.
O quadro clínico do paciente é variável, dependendo do tempo de evolução do
trauma. Habitualmente, há uma queixa de dor abdominal ou torácica desproporcional aos
achados do exame físico do paciente, associada à taquicardia e a taquipnéia. Enfisema
subcutâneo pode estar presente. Além disso, os pacientes podem ter hemo ou pneumotórax,
com material gástrico associado. Por outro lado, os pacientes que buscam atendimento
muito tardiamente (após 24 horas de evolução) manifestam sinais e sintomas de sepse.
Trauma Diafragmático
As injúrias diafragmáticas são relativamente comuns nos traumas tóracoabdominais, estimando-se que aconteçam em 0,5 a 8,8% dos casos. Os mecanismos de
trauma contuso são responsáveis por aproximadamente 33% das lesões diafragmáticas,
sendo o lado esquerdo mais freqüentemente diagnosticado, já que o hemidiafragma direito
é “protegido” pela presença do fígado, que impede a herniação de estruturas abdominais
para o tórax, embora estudos, incluindo a tomografia de tórax e autópsias, sugiram que a
incidência é igual entre os hemidiafragmas. As lesões diafragmáticas, devido a trauma
contuso, ocorrem principalmente através de trauma importante na região abdominal,
causando elevação abrupta da pressão intra-abdominal e rompimento do diafragma. Já as lesões diafragmáticas por trauma penetrante dependem do tipo de instrumento ou do
projétil que a causa. Além disso, as lesões por trauma contuso geram uma laceração
relativamente extensa, enquanto que as lesões penetrantes normalmente produzem uma
lesão menor. Por fim, cabe lembrar que as injúrias ao diafragma estão associadas a lesões
em outros órgãos, entre eles o baço e o fígado no abdômen, bem como pulmões e caixa
torácica no tórax.
As manifestações clínicas dos pacientes com lesão diafragmática vão depender da
instalação, ou não, de herniação abdominal e das lesões associadas. No caso de herniação,
os pacientes apresentarão sinais e sintomas de pneumotórax, de hemotórax (mais
comumente por passagem de sangue da cavidade abdominal), bem como da compressão
pulmonar, com evolução para hipoxemia. Ainda, os pacientes podem ter queixas
abdominais. Enfim, como o trauma diafragmático associa-se, muitas vezes, com lesões
esplênicas e hepáticas, o paciente pode apresentar-se em choque hipovolêmico.
Asfixia Traumática
A asfixia traumática é o resultado de lesões por esmagamento ou de traumas
contusos, torácicos ou abdominais, de extrema violência. Conseqüentemente, ocorrem
lesões concomitantes em outras áreas corporais, tais como trauma crânio-encefálico,
contusões pulmonares e trauma abdominal.
A síndrome caracteriza-se pela súbita obstrução das vias aéreas e pela elevação
dramática da pressão da veia cava superior. Dessa forma, os pacientes apresentam-se com
distensão vascular cervical, cianose da cabeça e do pescoço, hemorragia subconjuntival,
equimose peri-orbital e petéquias na cabeça e no pescoço, bem como se associa com
isquemia neurológica, perda de consciência, cegueira e convulsões, embora os sintomas
neurológicos normalmente sejam transitórios. Paralelamente, os pacientes freqüentemente
apresentam uma face edemaciada, semelhante à lua. Alia-se a isso, a possível presença de
epistaxe e hemotímpano. Entretanto, apesar da aparência alarmante, o prognóstico é
favorável.
Trauma Cardíaco
Os acidentes com veículos automotores são a causa mais comum de danos cardíacos
fechados. Outras causas são as quedas de altura, esmagamentos, agressão física e injúrias
relacionadas às atividades esportivas. A prevalência de traumas torácicos associados à injúria cardíaca é bastante variável, dependendo dos critérios diagnósticos adotados,
ficando em torno dos 15% dos traumas contusos. Paralelamente, a injúria cardíaca está
relacionada a 20% das mortes que ocorrem devido a acidentes automobilísticos. Diversos
mecanismos podem levar à lesão do coração, entre as quais, a compressão cardíaca entre
coluna vertebral e esterno, o trauma direto por fratura de esterno, afetando principalmente o
ventrículo direito, as trações ou torções do coração e concomitantemente dos grandes vasos,
determinando danos por arrancamento, além das lesões valvulares devido ao aumento
exorbitante das pressões cavitárias (podendo chegar até a 800 mmHg, numa compressão
severa durante a sístole). Por último, a contusão miocárdica constitui-se numa injúria
comum ao coração, e está associada não só a uma diminuição da função contrátil do
miocárdio, mas também pode determinar arritmias cardíacas. Ainda, a contusão miocárdica,
a qual se caracteriza por lesões isquêmico-necróticas e infiltrados hemorrágicos, tem seu
diagnóstico definitivo somente através da visualização direta destas alterações e, portanto,
não há nenhum exame de imagem ou laboratorial que diagnostique essa lesão. As rupturas
miocárdicas são altamente letais, com uma taxa de mortalidade em torno de 60% para
rompimento de uma cavidade e, praticamente, de 100% com laceração de duas cavidades
do coração.
Clinicamente, os pacientes apresentam-se sob um amplo espectro de manifestações,
variando de ausência de sintomas até colapso cardiovascular. Na contusão miocárdica leve,
os pacientes, na maioria das vezes, não apresentam nenhuma queixa. Porém, podem referir
angina pectoris (pode ser confundida com a dor torácica esternal pelo impacto sobre este)
ou dispnéia progressiva, suscitando o diagnóstico presuntivo de contusão miocárdica.
Quando ocorrem alterações da condutividade elétrica, muitos pacientes queixam-se de
palpitações. As alterações elétricas mais comuns do trauma cardíaco são a taquicardia
desproporcional ao quadro clínico, seguido das extra-sístoles e da fibrilação atrial. Em
alguns pacientes, a lesão cardíaca pode ser refletida por arritmias complexas, frêmitos
precordiais e/ou sopros cardíacos, embora esses achados raramente estejam presentes. O
trauma envolvendo o septo interventricular geralmente causa alterações da condução
através de bloqueio de ramo direito, avaliado no eletrocardiograma.
Em traumas cardíacos mais graves, o estado hemodinâmico do paciente orientará o
médico assistente na elucidação diagnóstica da injúria miocárdica e suas conseqüências. Muitos pacientes podem apresentar-se em choque cardiogênico, com hipotensão arterial e
elevação da pressão venosa. Contudo, a distensão das veias jugulares pode não ser aparente
devido à associação do choque cardiogênico, com perdas sangüíneas importantes. Nos
casos de ruptura de parede cardíaca, o paciente desenvolve, rapidamente, tamponamento
cardíaco, o qual se não reconhecido imediatamente é altamente letal. Por fim, a ruptura de
artérias coronárias gera, tardiamente, infarto agudo do miocárdio, conduzindo o paciente a
um péssimo prognóstico.
Trauma da Aorta Torácica e dos Grandes Vasos Torácicos
Os acidentes em alta velocidade com veículos automotores constituem a principal
causa de injúrias da aorta torácica e dos grandes vasos. Outras causas incluem as quedas de
grandes alturas e os atropelamentos. O mecanismo gerador da lesão aórtica, quando o
trauma é no sentido horizontal como, por exemplo, nos acidentes automobilísticos, deve-se
ao movimento súbito da aorta e do coração ântero-lateralmente, levando a um arrancamento
da aorta descendente da sua porção fixa à coluna espinhal. Por outro lado, quando o trauma
dá-se por movimento no sentido vertical (queda de altura), ocorre, também, um
arrancamento, porém em nível de artéria inonimada, pelo movimento para baixo e para a
esquerda do coração e da própria aorta. Ainda, a extensão abrupta do pescoço ou a tração
do ombro podem causar estiramento da íntima, ruptura da média ou o rompimento de toda a
parede arterial. Essas injúrias podem, conseqüentemente, levar à dissecção, trombose,
formação de pseudo-aneurismas e hemorragias importantes.
As lesões menores da parede arterial têm um curso benigno, com resolução
espontânea na maioria das vezes. Contrariamente, os pseudo-aneurismas são lesões com
uma evolução insidiosa, mesmo nos casos de pequenos danos parietais, tendendo a romper,
formar êmbolos ou fístulas com órgãos adjacentes.
As rupturas da parede aórtica total têm uma altíssima mortalidade, sendo que dos pacientes
com este tipo de lesão 75 a 90% terão morte súbita. Dos poucos sobreviventes que
conseguem chegar até um hospital, 30% morrerão dentro de 24 horas e outros 50%
morrerão em uma semana.
Os sangramentos originados por lacerações dos grandes vasos geralmente são
contidos pelos tecidos circunjacentes. Entretanto, a avulsão das artérias causa hemorragia
intensa, produzindo hemotórax ou hemopericárdio. Por outro lado, também podem ocorreroclusões arteriais súbitas e, no caso das artérias carótidas, podem originar isquemia cerebral
e, por conseguinte, determinar o aparecimento de sinais focais neurológicos.
Na avaliação clínica dos pacientes traumatizados, a história de acidente
automobilístico de alta velocidade, com expulsão de passageiro para fora do veículo, morte
de outras pessoas durante o episódio, bem como a queda de grandes altitudes, são todos
indicativos de possível lesão de aorta ou de grandes vasos. Além disso, alguns sinais
clínicos podem guiar o diagnóstico, tais como fratura de primeira e/ou segunda costelas, da
escápula ou do esterno, hipotensão, diferenças nas medidas de pressão entre os braços ou a
perda ou a diminuição de pulsos periféricos e fraturas da coluna torácica. Porém, os sinais
indicativos de lesão aórtica são muito raros, já que apenas 5% dos pacientes com injúria da
aorta torácica apresentam pseudocoarctação ou diminuição da pressão arterial no braço
esquerdo, após ruptura do istmo aórtico.
LABORATÓRIO
a. Hemograma Completo: o hemograma auxilia no cálculo de perda sangüínea,
embora a acurácia desses achados para determinar o volume de hemorragia é
baixa. Outras informações importantes são o número de plaquetas e o
leucograma, este último, normalmente não se altera abruptamente, porém, em
casos de ruptura de esôfago sem tratamento precoce, por exemplo, apresentará
modificação da contagem de leucócitos e do número de bastões.
b. Gasometria Arterial: a gasometria arterial é um importante meio de averiguar,
objetivamente, a ventilação, oxigenação e o estado ácido-básico, servindo como
guia para decisões terapêuticas imprescindíveis para o paciente traumatizado.
Dessa forma, é uma ferramenta importantíssima, principalmente nos pacientes
com trauma torácico.
c. Bioquímica do Sangue: é bastante útil nos pacientes traumatizados, já que
estes necessitam, habitualmente, de reposição hidro-eletrolítica, bem como de
controle ostensivo das suas alterações. Este exame visa não somente evitar o
aparecimento de distúrbios de eletrólitos, mas também diagnosticá-los
precocemente, com o intuito de corrigi-los o mais breve possível.
d. Coagulograma: os testes de coagulação, incluindo o tempo de protrombina, o
tempo da tromboplastina parcial ativada, fibrinogênio, produtos da degradação da fibrina e análise do D-dímero, deve ser orientado naqueles pacientes que
recebem grande quantidade de transfusões, ou seja, dez ou mais concentrados de
hemácias. Outra indicação para a solicitação de coagulograma é sangramento
ativo sem que haja um fator predisponente claro.
e. Troponina Sérica: a troponina é uma proteína específica das células
musculares cardíacas. Portanto, níveis elevados de troponina correlacionam-se
positivamente com alterações ecocardiográficas, nos pacientes com trauma
cardíaco contuso. Entretanto, este exame não auxilia na predição de
complicações cardíacas e, dessa maneira, seu uso na prática clínica é
controverso.
f. Isoenzimas Cardíacas: a mensuração dos níveis séricos da isoenzima cardíaca
creatinoquinase-MB é freqüentemente utilizada em pacientes com trauma
cardíaco fechado, pois é um exame rápido e barato. Contudo, esse exame
apresenta baixa sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo em
relação a injúrias miocárdicas clinicamente significativas.
g. Lactato Sérico: o lactato sérico é uma medida indireta da perfusão tecidual,
porquanto tecidos bem perfundidos mantêm a via aeróbica para a glicólise.
Além disso, níveis persistentemente altos de lactato sérico têm sido associados
com pior prognóstico; por outro lado, pacientes com níveis de lactato
aumentados inicialmente, mas que apresentam melhora com a instituição do
tratamento, oferecem prognósticos melhores.
h. Tipagem Sangüínea: todos os pacientes com trauma grave devem realizar a
tipagem sangüínea, especialmente aqueles com possibilidade de intervenções
cirúrgicas.
EXAMES DE IMAGEM
Os exames de imagem são de fundamental importância no diagnóstico de lesões
orgânicas, principalmente, naqueles pacientes com traumas fechados. Todavia, esses
exames não devem retardar o tratamento de lesões com alto risco de morte, detectada
clinicamente. Cabe lembrar que os pacientes hemodinamicamente instáveis também devem
ser estabilizados antes de realizar os exames de imagem.
Nos traumas envolvendo o tórax, pode-se utilizar diversos exames imaginológicos para
detectar alterações orgânicas, quais sejam a radiologia, a ultra-sonografia, a tomografia
computadorizada e a ressonância nuclear magnética.
a. Raios-X de Tórax: a radiografia do tórax é indicada em, virtualmente, todos os
pacientes traumatizados, impondo-se como o exame inicial de escolha, na avaliação
dos pacientes com trauma torácico. Além disso, exames radiológicos em série são,
geralmente, obtidos para a avaliação da evolução e/ou das complicações do trauma
e para averiguar a posição de drenos e catéteres utilizados.
Os achados radiológicos incluem lesões traumáticas da parede torácica (fraturas de
costelas, escápulas, esterno e clavículas), coluna espinhal, pneumotórax, o qual são difíceis
de enxergar pela posição supina, pneumomediastino, hemotórax, consolidação pulmonar na
contusão dos pulmões, alargamento de mediastino nas lesões cardíacas e de grandes vasos,
hemo e pneumopericárdio e ruptura diafragmática (cuja presença de vísceras no hemitórax
afetado é patognomônica).
Entretanto, as radiografias de tórax têm diversas limitações, principalmente, devido
ao uso de aparelhos portáteis, bem como decorrentes da posição do paciente. Um exemplo
comum disso é a associação do efeito de magnificação pela proximidade do aparelho com
uma expiração no momento da realização do exame, proporcionando uma imagem
sugestiva de alargamento do mediastino. Cerca de 80% dos pacientes com alargamento
mediastinal nos raios-X de tórax, tinham a tomografia computadorizada normal e 80% não
tinham lesão aórtica na aortografia. Não se pode esquecer também, que os achados radiológicos de ruptura aórtica são inespecíficos, aparecendo sob a forma de outras lesões
comumente associadas, tais como as lesões vasculares não aórticas, as fraturas de esterno,
fraturas vertebrais e a ruptura de esôfago. Ainda, as injúrias envolvendo o diafragma são
freqüentemente não diagnosticadas e, por outro lado, eventrações pré-existentes ou uma
elevação diafragmática prévia podem simular lesão diafragmática. Da mesma forma, o
exame radiológico do tórax constitui-se num método inacurado para predizer a presença de
hemorragia mediastinal. Por fim, as fraturas de coluna torácica são geralmente difíceis de
diagnosticar através do uso da radiologia simples, sendo que apenas 51% das fraturas de
coluna são diagnosticadas.
b. Tomografia Computadorizada: a tomografia computadorizada (TC) do tórax é um
método de imagem mais sensível do que a radiologia simples do tórax para todos os tipos
de lesão, exceto para fratura de costelas, já que reduz dramaticamente a presença de
artefatos, bem como melhora significativamente a resolução espacial da imagem adquirida.
É indicada para esclarecer possíveis lesões traumáticas pulmonares, de parede torácica,
pleurais, mediastinais, cardíaca e dos grandes vasos e do diafragma. Atualmente, a TC
helicoidal tem determinado uma alteração nas indicações deste método, pois é um exame de
fácil realização, sem aumento da demanda de tempo necessário, em comparação com a
radiologia simples, por meio do uso de protocolos de estudo, sendo indicado como método
de escolha para os pacientes politraumatizados, por alguns autores. Contudo, o fator
limitante deste tipo de metodologia é o recrudescimento do custo associado à realização do
exame, bem como da disponibilidade do tomógrafo helicoidal. A TC helicoidal do tórax
define mais precisamente a extensão e a gravidade das lesões mediastinais do que o raio-X
de tórax. As lesões traumáticas do esôfago, por exemplo, podem ser avaliadas pela
esofagografia por TC helicoidal, pois é uma técnica sensível para avaliação de perfuração
esofagiana em pacientes graves, não sendo necessário realizar a esofagografia
fluoroscópica. Além disso, a TC helicoidal tem sido sugerida como método confiável de
rastreamento e de diagnóstico da ruptura aórtica, apresentando alta sensibilidade (100%),
especificidade (89%) e alto valor preditivo negativo (100%), comparáveis à aortografia.
Paralelamente, o uso da TC helicoidal no rastreamento das lesões aórticas produz uma
economia exorbitante, porque a aortografia, considerada o padrão áureo para o diagnóstico
de injúria aórtica, constitui-se em exame caro para o sistema de saúde. Diversos estudos têm avaliado a utilidade da TC convencional e helicoidal nos
pacientes com suspeita de lesão diafragmática, com sensibilidade e especificidade variando
de 42 a 90% e de 76 a 99%, respectivamente.
c. Ressonância Nuclear Magnética: a ressonância nuclear magnética (RNM) é um
exame de alto custo e não facilmente disponível para uso em pacientes traumatizados.
Concomitantemente, a RNM depende da imobilidade do paciente, o que, numa situação de
estresse pode ser muito difícil conseguir. Associam-se a isso, as dificuldades de monitorar o
paciente durante o exame, o qual pode ser prolongado.
Entretanto, a RNM é um exame de alta acurácia para o diagnóstico de lesões da coluna
torácica, dos discos intervertebrais, medula oblonga e ligamentos vertebrais. Além disso,
caso o paciente possa seguir a orientação de parar a ventilação, a RNM apresenta-se como
um excelente método diagnóstico para as rupturas diafragmáticas, bem como para as lesões
vasculares. Porém, a RNM é reservada para aqueles pacientes estáveis
hemodinamicamente, que não tem diagnóstico de lesão do diafragma firmado pela CT de
tórax.
Dessa maneira, a RNM é raramente indicada nas situações de politrauma, pois é um
exame de elevado custo, com algumas dificuldades técnicas para sua melhor realização,
com poucas vantagens sobre a TC (nas lesões diafragmáticas e da coluna torácica).
d. Ultra-Sonografia (US) Torácica: o exame ultrassonográfico do pericárdio, coração e
cavidades pleurais, é um exame rápido, fidedigno e não invasivo, que pode detectar
alterações ameaçadoras à vida do paciente, tal como o tamponamento cardíaco. A
sensibilidade, especificidade e acurácia geral do ultra-som, para detectar alterações nesses
sítios, são maiores do que 90%. Simultaneamente, o exame ecográfico é bastante útil na
detecção de contusão pulmonar, hemo e pneumotórax, bem como injúria do diafragma,
tendo a favor a rapidez em que pode ser empregado. A detecção de pneumotórax através do
uso de US tem resultados mais acurados do que aqueles oferecidos pela radiologia simples
do tórax, e Rowan e cols. mostram resultados semelhantes aqueles alcançados pela CT do
tórax, apresentando uma sensibilidade e um valor preditivo negativo de 100%, enquanto a
especificidade é de 94%. A acurácia do exame é de 96% para diagnóstico de pneumotórax.
A ecocardiografia é um excelente método de avaliação dos traumas contusos
cardíacos, já que estes se apresentam por alterações da contratilidade cardíaca e das arritmias, podendo ser facilmente visualizados pela ecografia cardíaca. Ainda, cabe
lembrar, que em alguns casos de trauma cardíaco ocorre ruptura de válvulas cardíacas, o
que também pode ser avaliado durante o exame ecográfico. A ecocardiografia
transesofágica também pode orientar sobre a presença de lesões das paredes vasculares dos
grandes vasos.
Todavia, o exame de ultra-som pode ser inadequado, naqueles pacientes com
enfisema subcutâneo, devido ao meio aéreo, que é inadequado para este método de
imagem.
CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS
Pacientes com risco iminente de vida, e que requerem cirurgia, não dispõem de uma
avaliação demorada. A principio, deve haver via aérea prévia, cuidados com a respiração e
circulação (Airway, Breathing, Circulation) estabelecidos. Freqüentemente, esforços de
ressurreição nestes pacientes têm que continuar a caminho do bloco cirúrgico.
Os pacientes com indicações para cirurgia, mas que não estão in extremis também devem
ter o ABC estabelecido. Baseados no mecanismo de dano, história clínica, e achados físicos,
a investigação diagnóstica é conduzida a fim de excluir danos associados. Os
procedimentos diagnósticos são concluídos, se o tempo e as condições clínicas permitem.
CUIDADOS INTRA-OPERATÓRIOS
Uma via aérea adequada e segura é necessária, bem como acesso venoso. Dispositivos que
permitam um monitoramento, i.e. catéter urinário, monitor de pressão venosa central, ou
catéter de pressão da artéria pulmonar devem ser considerados, baseados na severidade do
trauma, estado funcional pré-operatório e previsão da duração da cirurgia. Algumas lesões
requerem o uso de técnicas de ventilação monopulmonar. Isto deve ser discutido
antecipadamente com o anestesiologista.
Posicionamento do paciente e escolha da incisão são muito importantes. Esternotomia
mediana é usada para ter acesso ao coração, reparos da porção intrapericárdica dos vasos
pulmonares, aorta ascendente e arco aórtico, veia cava e artéria inominada. A toracotomia
posterolateral esquerda no quarto espaço de intercostal é usada para abordagem da aorta
torácica descendente. A artéria de subclávia direita pode ser exposta através de uma
esternotomia mediana com extensão ao pescoço. Controle proximal da artéria de subclávia esquerda é exeqüível por uma toracotomia de esquerda ântero-lateral no terceiro espaço
intercostal.
Controle distal deste vaso é obtido por uma incisão supraclavicular. O esôfago distal pode
ser exposto por uma toracotomia posterolatera esquerda; danos mais proximais requerem
uma toracotomia direita. Danos pulmonares ou vasos pulmonares mais periféricos são
abordados por uma toracotomia posterolateral.
CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS
Pacientes devem ser extubados assim que possível no período posoperatório. Dispositivos
de monitoramento são mantidos enquanto necessários, mas removidos o mais cedo
possível.
Fluídos intravenosos são fornecidos até que o paciente apresente o retorno da função
gastrointestinal. Pacientes com lesões graves associadas, especialmente em coma, podem
requerer sondas enterais de demora para alimentação.
O controle da dor é importante nestes pacientes, pois facilita a respiração e ajuda a prevenir
complicações pulmonares como atelectasias e pneumonia. Fisioterapia respiratória e
motora, incentivo aos exercícios respiratórios e, assim que possível, deambulação deve ser
encorajada.
Drenos de tórax devem ser mantidos, enquanto há uma drenagem excessiva de fluídos, o
pulmão não apresenta reexpansão completa e ainda há escape de ar. Na maioria das vezes, a
drenagem em selo d’água é suficiente. Havendo resolução dos achados supracitados, o(s)
dreno(s) de tórax devem ser removidos.
Abordagem Primária ao Trauma
Manual de Abordagem
Primária ao Trauma
Conteúdo
________________________________________________________________________
• Introdução• Visão Global
• ABCDE do Trauma
• Manejo da Via Aérea
• Manejo da Ventilação (Respiração)
• Manejo da Circulação
• Avaliação Secundária
• Traumatismo Torácico
• Traumatismo Abdominal
• Traumatismo Craneano
• TraumatismoVertebral
• Traumatismo dos Membros
• Casos especiais de trauma
Pediátrico
Gravidez
Queimaduras
• Transporte do doente com trauma
• Apêndices
• Apêndice 1: Técnicas de manejo da via aérea
• Apêndice 2:Valores fisiológicos pediátricos
• Apêndice 3: Parâmetros cardiovasculares
• Apêndice 4: Escala de coma de Glasgow
• Apêndice 5: Suporte Cardíaco de Vida
Introdução
________________________________________________________________________
O trauma transcende todas as fronteiras. Muitos países em vias de desenvolvimento têm
uma proporção significativa de trauma devido a acidentes de viação e industriais que
afecta uma população em geral jovem. A morbilidade e mortalidade associada a este
trauma pode ser reduzida por uma intervenção médica precoce e eficaz.
Este curso de Abordagem Primária ao Trauma pretende fornecer conhecimentos básicos
e capacidades técnicas necessárias a identificar e tratar aqueles doentes traumatizados
que requerem uma avaliação rápida, reanimação e estabilização das suas lesões. Este
curso irá particularmente realçar a necessidade de um diagnóstico precoce e um
tratamento imediato naquelas lesões que põem em risco a vida.
Este curso está baseado em palestras e sessões práticas de tratamento do plitraumatizado.
Constitui a estrutura básica sobre a qual médicos e técnicos de saúde podem adquirir os
conhecimentos e capacidades necessárias à abordagem do trauma com um mínimo de
equipamento e sem requisitos tecnológicos sofisticados.
Há vários cursos de trauma com muito sucesso, bem organizados e com manuais
disponíveis, como é o caso dos cursos do American College of Surgeans, ATLS e o
EMST Australiano. Estes cursos são direccionados a pessoal médico que trabalha em
hospitais bem equipados com oxigénio, comunicações e transportes, etc e oferecem um
programa extenso. O curso de Atencão Primária ao Trauma não é um substituto destes
cursos, mas usa princípios básicos semelhantes e enfatiza os cuidados básicos do trauma
com mínimos recursos.
Objectivos
No final deste curso deverá:
1. Compreender as prioridades na abordagem do doente politraumatizado
2. Ser capaz de avaliar de maneira rápida e precisa as necessidades do doente
politraumatizado
3. Ser capaz de reanimar e estabilizar o doente politraumatizado
4. Saber como organizar uma equipa de profissionais em trauma no seu hospital 4
Visão global ________________________________________________________________________
A maior parte dos países do mundo padece de uma epidemia de trauma, mas o aumento
mais espectacular observa-se nos países em vias de desenvolvimento. A proliferação de
estradas e o aumento do número de veículos levou a um rápido aumento do número de
vítimas e de mortes e muitas unidades sanitárias periféricas enfrentam múltiplas
urgências devidas a choques de autocarros e outros desastres. São também comuns
queimaduras severas quer nas áreas urbanas quer rurais.
Há uma série de diferenças muito importantes entre os países desenvolvidos e os países
em via de desenvolvimento que tornam este curso de interesse particular para estes
últimos. Elas incluem:
• a grande distância que os casos de urgências devem percorrer para chegar a uma
unidade sanitária.
• o tempo necessário para os doentes terem acesso aos cuidados médicos
• a ausência de equipamento diferenciado e de consumíveis
• a ausência de pessoal habilitado para estabilizá-los e tratá-los
A prevenção do trauma é de longe a mais barata e o modo mais seguro para gerir o
trauma. Isto depende da alocação de recursos e de factores como:
• cultura
• recursos humanos
• política
• orçamento para a saúde
• formação
A equipe de abordagem ao politraumatizado deveria fazer todos os esforços possíveis
para incluir todos os factores, que acabamos de assinalar, na prevenção dos acidentes.
Muitos destes ultrapassam o objectivo deste manual, mas será dado tempo no curso para
analizar as circunstâncias locais e possibilidades de prevenção dentro de cada
comunidade. 5
ABCDE do Trauma ________________________________________________________________________
O tratamento do politraumatizado requer a identifição e tratamento prioritário daquelas
lesões que põem em risco a vida do doente. Esta primeira avaliação, a avaliação primária,
se feita correctamente, deverá identificar tais lesões como:
• obstrução da via aérea
• lesões torácicas com dificuldade respiratória
• hemorragia severa interna ou externa
• lesões abdominais
Se há mais que um doente politraumatizado, tratar os doentes por ordem de prioridade
(Triagem). Esta depende da experiência e recursos (Discutido nas sessões práticas).
A avaliação ABCDE (Via aérea, Respiração, Circulação, Disfunção neurológica e
Exposição) é efectuada. Esta avaliação primária não deve demorar mais que 2-5 minutos.
O tratamento simultâneo das lesões pode ocorrer quando existem mais do que uma lesão
potencialmente mortal. Isto inclui:
• Via aérea
Avaliar a via aérea. O doente pode falar ou respirar livremente? Se obstruído, os passos a
considerar são:
- elevação do queixo/subluxação da mandíbula (a língua está agarrada à
mandíbula)
- aspiração (se disponível)
- tubo orofaríngeo/nasofaríngeo
- intubação. NB manter o pescoço imobilizado em posição neutra.
• Respiração
A respiração é avaliada quando a patência da via aérea e adequabilidade da respiração são
reavaliadas. Se inadequada, os passos a considerar são:
- descompressão e drenagem de pneumotórax/hemotórax sob tensão
- encerramento de ferida aberta do tórax
- ventilação artificial
Administrar oxigénio se disponível.
A reavaliação do ABC deve ser efectuada se o doente está instável 6
• Circulação
Avaliar a circulação, quando a administração de oxigénio, a patência da via aérea e a
adequabilidade da respiração foram avaliadas. Se inadequadas, os passos a considerar são
os seguintes:
- parar a hemorragia externa
- estabelecer 2 linhas venosas (cânulas 14-16G) se possível
- administrar fluidos se disponíveis
• Disfunção neurológica
Exame neurológico rápido (o doente está consciente, responde vocalmente à dor ou está
inconsciente). Não há tempo para fazer a escala de coma de Glasgow, por isso:
- Acordado A
- Resposta verbal V
- Resposta à dor P
- Sem resposta U
O sistema nesta fase é claro e rápido
• Exposição
Despir o doente e procurar as lesões. Se há suspeita de lesão cervical ou da coluna, é
importante fazer a mobilização em alinhamento. Isto será discutido nas sessões práticas.
________________________________________________________________________
Manejo da via aérea
_________________________________________________________________________________
A primeira prioridade é estabelecer ou manter a patência da via aérea.
• Falar com o doente
Um doente que consegue falar claramente deve ter a via aérea permeável. O doente
inconsciente pode necessitar de assistência à via aérea e à ventilação. A coluna cervical
deve estar protegida durante a intubação se há suspeita de lesão do pescoço, crâneo ou
tórax. A queda da língua é a causa mais frequente de obstrução da via aérea num doente
inconsciente.
• Administrar oxigénio
Administrar O2 se disponível, via bolsa insufladora ou máscara.
• Avaliar a via aérea
São sinais de obstrução da via aérea:
- ressonar ou gargolejo
- estridor ou sons respiratórios anormais
- agitação (hipoxia)
- uso dos músculos acessórios da ventilação/movimentos paradoxais do tórax
- cianose
Estar alerta para os corpos estranhos. As técnicas usadas para estabelecer uma via aérea
patente constam no Apêndice 1 e serão revistos nas sessões práticas. A sedação
intravenosa está absolutamente contra-indicada nesta situação.
• Considerar a necessidade de manejo avançado da via aérea
Indicações para técnicas de manejo avançado da via aérea incluem:
• obstrução persistente da via aérea
• trauma penetrante do pescoço com hematoma (em expansão)
• apneia
• hipoxia
• trauma craneano severo
• trauma torácico
• lesão maxilofacial
A obstrução da via aérea requer tratamento URGENTE 8
Manejo da Ventilação (Respiração)
________________________________________________________________________
A segunda prioridade é estabelecer uma ventilação adequada.
• A inspecção (VER) da frequência respiratória é essencial. Estão
alguns dos seguintes sinais presentes?
- cianose
- ferida penetrante
- fragmento instável
- feridas abertas com aprisionamento de ar
- uso dos músculos acessórios?
• Palpação (SENTIR) para
- desvio da traqueia
- costelas partidas
- enfisema subcutâneo
- a percussão é útil no diagnóstico de hemotórax e pneumotórax
• Auscultação (OUVIR)
- pneumotórax
- detecção de sons anormais no tórax
• Acção de ressuscitação
Isto será contemplado em palestras e sessões práticas: ver Apêndice 5
- se há dificuldade respiratória coloca-se um dreno intercostal para drenagem da
pleura para saída de ar/sangue, mesmo antes de se fazer um Rx do tórax.
- quando há indicações para intubação traqueal mas isso não é conseguido, deve-se
fazer o acesso directo via cricotiroidotomia. Ver Apêndice 1.
Notas especiais
• Se disponível, manter o doente com oxigénio até obter completa estabilidade.
• Se há suspeita de pneumotórax sob tensão introduz-se uma agulha de grande calibre
no 2o
EIC, na linha médio-clavicular para descomprimir a tensão, seguida de
colocação de um dreno intercostal.
• Se não for possível intubar após uma ou duas tentativas, considerar cricotiroidotomia
como prioridade.
• Isto depende da experiência do pessoal médico disponível, de equipamento
apropriado, e pode não ser possível em muitos lugares.
NÃO persistir com tentativas de intubação sem ventilar o doente 9
Manejo da Circulação
________________________________________________________________________
A terceira prioridade é restabelecer uma adequada circulação
Choque é definido como uma inadequada perfusão e oxigenação dos órgãos tecidos. No
politraumatizado a maior parte das vezes é devido a hipovolémia.
O diagnóstico de choque é baseado em sinais clínicos: hipotensão, taquicardia,
taquipneia, hipotermia, palidez, extremidades frias, diminuição do preenchimento capilar
e diminuição da produção de urina. Ver Apêndice 3.
Há três diferentes tipos de choque:
Choque hemorrágico (hipovolémico): devido a perda aguda de fluidos. A quantidade de
sangue perdido após trauma é muitas vezes deficientemente avaliado e no trauma por
queimaduras é muitas vezes subestimado.
Lembrar que:
• grandes volumes podem estar escondidos nas cavidades abdominal e pleural
• a fractura da diáfise do fémur pode levar a perdas acima de 2 litros de sangue
• a fractura da bacia leva a perdas muitas vezes acima de 2 litros.
Choque cardiogénico: devido a inadequado funcionamento cardíaco. Isto pode ser
devido a:
• contusão miocárdica
• tamponamento cardíaco
• pneumotórax sob tensão (impedindo a chegada do sangue ao coração)
• ferida penetrante do coração
• infarto do miocárdio
A avaliação da pressão venosa jugular é essencial nestas circunstâncias e deve ser feito
um ECG, se há disponibilidade para tal.
Choque neurogénico: devido à perda do tónus simpático, geralmente resultante de lesão
medular, com a apresentação clássica de hipotensão sem taquicardia reflexa ou
vasoconstrição cutânea.
Choque séptico: raro na fase precoce do trauma mas uma causa comum de morte tardia
(via falência multiorgânica) nas semanas seguintes ao trauma. É mais comumente vista
nas feridas penetrantes do abdómen e nos queimados.
A hipovolémia é uma emergência que põe em risco a vida e deve
ser reconhecida e tratada agressivamente10
Medidas de reanimação circulatória
(Ver Apêndice 5)
O objectivo é restaurar o fornecimento de oxigénio aos tecidos.
Sendo o principal problema a perda de sangue, a ressuscitação com fluidos é uma
prioridade.
• Obter um adequado acesso vascular. Isto requer a inserção de pelo menos 2 cânulas
de grande calibre (14-16G). Pode ser necessário desbridamento.
• Aquecer, se possível, os fluidos de infusão (cristalóides, por ex. NaCl 0,9%, como
primeira linha) à temperatura corporal (manter soros quentes num ebolidor). Lembrar
que a hipotermia pode provocar anomalias da coagulação.
• Evitar soluções que contenham glicose.
• Colher amostras de sangue para laboratório e determinação de grupo sanguíneo.
Urina
Medir o débito urinário como indicador do grau de preenchimento vascular. O débito
deve ser superior a 0.5 ml/kg/hora. Nos doentes inconscientes pode ser necessário algaliar
se o choque persiste.
Transfusão de sangue
Pode ser muito difícil obter sangue. Lembrar possível incompatibilidade, riscos de de
transmissão de hepatite B e HIV, mesmo entre a própria família do doente.
Deve considerar-se a transfusão de sangue quando o doente mantem instabilidade
hemodinâmica apesar da infusão de fluidos (cristalóides/colóides). Se não há
possibilidade de se determinar o grupo sanguíneo e fazer provas de compatibilidade deve
ser usado concentrado de glóbulos O negativo. Deve-se fazer transfusão se a
hemoglobina for inferior a 7g/dl e se o doente continua a sangrar.
Primeira prioridade: parar a hemorragia
• Lesões dos membros: os garrotes não servem. Além disso, provocam síndromes de
reperfusão que agravam a lesão inicial. O procedimento recomendado de “pressão
com compressa” é uma entidade mal definida. A hemorragia severa resultante de
lesões penetrantes de alta energia e por amputação pode ser controlada mediante
colocação subfascial de compressas de gaze mais compressão manual na artéria
proximal mais aplicação de penso compressivo de todo o membro lesado.
A perda de sangue é a principal causa de choque em doentes com trauma 11
• Lesões do tórax: A fonte mais comum de hemorragia são as artérias da parede
torácica. A colocação imediata dum dreno torácico com aspiração intermitente e
uma eficiente analgesia (IV Ketamina é o fármaco de eleição) faz expandir o pulmão
e pára a hemorragia.
• Lesões no abdómen: a laparotomia de controle das lesões deve ser efectuada o mais
cedo possível nos casos em que a ressuscitação com fluidos não permite manter a TA
sistólica a 80-90 mmHg. O único objectivo desta laparotomia é comprimir com
compressas os quadrantes abdominais sangrantes, enquanto a incisão na linha média
fica temporariamente fechada com pinças de campo durante 30 minutos. Este tipo de
laparotomia não é cirurgia, mas um procedimento de ressuscitação que deve ser feito
sob anestesia com ketamina por qualquer médico ou enfermeiro treinado a nível
distrital. Deve-se observar esta técnica antes de a executar; efectuada correctamente,
pode salvar vidas.
Segunda prioridade: substituição de volume, aquecimento e analgesia com ketamina
• Os líquidos de substituição devem estar aquecidos: A coagulação fisiológica funciona
melhor a 38.5°C, sendo a hemostase difícil a temperaturas abaixo de 35°. A
hipotermia em doentes com trauma é comum durante as evacuações prolongadas
feitas ao relento – mesmo nos trópicos. É fácil arrefecer um doente mas é difícil
reaquecê-lo, pelo que é essencial prevenir a hipotermia. Os fluidos administrados por
via oral ou IV devem ter uma temperatura de 40-42° C. Usando fluidos IV à
“temperatura ambiente” significa arrefecimento!
• Fluidos de ressuscitação da hipotensão: Nos casos em que a hemostase não está
assegurada ou não é definitiva, devem controlar-se os fluidos de modo a manter a TA
sistólica a 80-90 mm durante a evacuação.
• Não às soluções coloidais – sim às soluções electrolíticas! Revisões cuidadosas
realizadas recentemente de estudos clínicos controlados demostraram efeitos
discretamente piores dos colóides em comparação com os electrólitos, na
ressuscitação após perdas de sangue.
• A ressuscitação por via oral é segura e eficiente em doentes com reflexo da deglutição
sem lesão abdominal: os fluidos por via oral devem ser pobres em açucar e sais;
soluções concentradas podem provocar uma retenção osmótica na mucosa intestinal,
e o efeito será negativo. Recomenda-se papas de cereais diluidas baseadas em
alimentos disponíveis localmente.
• Escolha da analgesia: Os efeitos inotrópicos positivos, e o facto de não afectar o
reflexo da deglutição, faz recomendar a ketamina por via IV em doses repetidas de
0.2 mg/Kg durante a evacuação de todos os casos de trauma severo.
Pense na segurança – um trabalhador de saúde
lesionado é um doente 12
Avaliação secundária
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A avaliação secundária só é efectuada quando se estabiliza o ABC do doente.
Se ocorre qualquer deterioração durante esta fase então ela deve ser interrompida e
faz-se outra avaliação primária. Devem registar-se todos os procedimentos efectuados.
Isto será tratado no Forum.
Agora é feito o exame da cabeça à ponta dos dedos, nada em particular:
Exame da cabeça
• anomalias do couro cabeludo e oculares
• ouvido externo e membrana timpânica
• lesões dos tecidos moles periorbitários
Exame do pescoço
• feridas penetrantes
• enfisema subcutâneo
• desvio da traqueia
• aparência das veias do pescoço
Exame neurológico
• avaliação da função cerebral usando a Escala de Coma de Glasgow (ECG) (ver
Apêndice 4)
• actividade motora medular
• sensações e reflexos
Exame do tórax
• clavículas e todas as costelas
• murmúrio vesicular e tons cardíacos
• monitorização do ECG (se disponível)
Nos doentes com traumatismo craneano suspeitar de lesão da coluna
cervical até prova em contrário 13
Exame abdominal
• feridas penetrantes do abdómen requerem exploração cirúrgica
• trauma por explosão – é colocada uma sonda nasogástrica (não em presença de
trauma facial)
• toque rectal
• colocar algália
Pélvis e membros
• fracturas
• pulsos periféricos
• cortes, escoriações e outras lesões menores
RX (se possível e quando indicado)
• RX do tórax e da coluna cervical (importante ver as 7 vértebras)
• RX da bacia e dos ossos longos
• O RX do crâneo pode ser útil para procurar fracturas quando há traumatismo
craneano sem défice neurológico focal
Pedir outros selectivamente. NB o RX do tórax e pélvis podem ser necesários durante a
avaliação primária.
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Traumatismo Torácico
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Aproximadamente um quarto das mortes por trauma são devidas a traumatismo torácico.
As mortes imediatas são essencialmente devidas a rotura major do coração ou grandes
vasos. Mortes precoces devido a traumatismo torácico devem-se a obstrução da via aérea,
tamponamento cardíaco ou aspiração.
A maioria dos doentes com trauma torácico podem ser tratados com manobras
simples e não requerem tratamento cirúrgico.
A dificuldade respiratória pode ser causada por:
• fractura de costelas/respiração paradoxal
• pneumotórax
• pneumotórax sob tensão
• hemotórax
• contusão pulmonar
• pneumotórax aberto
• aspiração
O choque hemorrágico é devido a:
• hemotórax
• hemomediastino
Fractura de costelas: as fracturas de costelas podem ocorrer no ponto de impacto e a
lesão do pulmão subjacente pode provocar contusão ou perfuração do mesmo. Nos idosos
podem ocorrer fracturas de costelas por simples traumas. As costelas tornam-se
geralmente estáveis dentro de 10 dias a 2 semanas. A cura completa com formação de
calo ocorre após cerca de seis semanas.
Respiração paradoxal: o segmento instável move-se separadamente e em direcção
oposta do resto da caixa torácica durante o ciclo respiratório. Pode surgir dificuldade
respiratória severa.
Pneumotórax sob tensão: surge quando o ar entra no espaço pleural mas não pode sair.
Como consequência a pressão intratorácica aumenta progressivamente no lado afectado
com resultante desvio do mediastino. O doente fica dispneico e hipóxico. É preciso fazer
urgentemente a descompressão com uma agulha antes de ser introduzido um dreno
intercostal. A traqueia pode estar desviada (sinal tardio) e empurrada da linha média pelo
ar sob pressão.
A extensão das lesões internas não podeser julgada pela
aparência da ferida da pele15
Hemotórax: mais comum nas feridas penetrantes do que nas lesões não penetrantes do
tórax. Se a hemorragia é severa ocorre choque hipovolémico e também dificuldade
respiratória devido a compressão do pulmão no lado afectado.
A melhor terapêutica consiste em colocar um grande tubo de drenagem.
• Um hemotórax de 500-1500 ml que pára de sangrar após inserção dum dreno
intercostal pode, em geral, ser tratado de forma conservadora.
• Um hemotórax superior a 1500-2000 ml ou com hemorragia contínua de mais de 200-
300 ml/hora deve ser explorado cirurgicamente, i.e. toracotomia.
Contusão pulmonar: é comum após trauma torácico. É uma condição com potencial risco
de vida. O início dos sintomas pode ser lento e progressivo ao longo das 24 horas após o
trauma. É provável ocorrer em casos de acidente com alta velocidade, quedas de grandes
alturas e lesões por balas de alta velocidade. São sintomas e sinais:
• dispneia
• hipoxemia
• taquicardia
• murmúrio vesicular ausente ou diminuído
• fractura de costelas
• cianose
Feridas abertas ou aspirativas da parede torácica. Nestas, o pulmão do lado afectado
está exposto à pressão atmosférica, colapsado e há um desvio do mediastino para o lado
oposto. Deve ser rapidamente tratado. Um selo, i.e. um saco plástico pode ser suficiente
para parar a aspiração, e pode ser aplicado até à chegada ao hospital. Em doentes em
risco é muitas vezes necessário colocar drenos intercostais, intubar e ventilar com pressão
positiva.
As lesões abaixo listadas também são possíveis no trauma, mas têm uma alta
mortalidade mesmo em centros regionais. São mencionados por questões
educacionais.
A contusão miocárdica está associada, no traumatismo fechado do tórax, com fracturas
do esterno ou costelas. O diagnóstico é baseado em anomalias do ECG e elevação dos
enzimas cardíacos, caso haja disponibilidade em executá-los. A contusão cardíaca pode
simular um enfarto do miocárdio. Os doentes devem ser submetidos a monitorização
cardíaca, se disponível. Este tipo de lesões é mais comum do que se pensa e pode ser a
causa de morte súbita bem depois do acidente.
Atenção à contusão pulmonar e
deterioração tardia da função respiratória 16
Tamponamento pericárdico: As lesões penetrantes cardíacas são das principais causa
de morte nas áreas urbanas. É raro haver tamponamento cardíaco com traumatismo
fechado. A pericardiocentese deve ser feita precocemente se esta lesão for provável.
Procurá-la em doentes com:
• Choque
• Veias do pescoço distendidas
• Extremidades frias e ausência de pneumótorax
• Tons cardíacos apagados
A pericardiocentese é o tratamento de eleição e será discutido nas sessões práticas.
Lesões dos grandes vasos torácicos: a lesão das veias pulmonares e artérias é muitas
vezes fatal, e é uma das principais causas de morte in situ.
Rotura da traqueia ou grandes brônquios: a rotura da traqueia ou dos grandes
brônquios é uma lesão grave com uma mortalidade estimada de 50%. A maioria das
roturas dos brônquios (80%) produzem-se a 2,5 cm da carina. Os sinais mais frequentes
de traumatismos traqueobrônquicos são:
• Hemoptise.
• Dispneia.
• Enfisema subcutâneo e do mediastino.
• Ocasionalmente acompanha-se de cianose.
Traumatismo esofágico: É muito raro no doente com traumatismo fechado. A lesão
esofágica é mais frequente por traumatismo penetrante. Este quadro é mortal se não se
reconhece a tempo e não se instaura tratamento imediato, pela incidência de mediastinite.
Os doentes queixam-se habitualmente de uma dor forte de apresentação aguda no
epigastro e face anterior do tórax, que irradia para a espádua. Pode ser acompanhada de
dispneia e cianose, mas estes podem ser sinais tardios.
Traumatismos diafragmáticos: Produzem-se mais habitualmente depois de
traumatismos fechados, e o aumento da sua frequência é paralelo ao incremento no
número de acidentes de tráfego. O diagnóstico é difícil de fazer. Deve-se suspeitar de
lesão diafragmática em presença de um traumatismo torácico aberto sempre que:
• Ocorre abaixo do 4º espaço intercostal anterior.
• Abaixo do 6º espaço intercostal na linha axilar média.
• Abaixo do 8º espaço intercostal posterior.
• Ocorre no lado esquerdo.
Rotura da aorta torácica: Apresenta-se no doente que tenha sofrido acidentes por
desaceleração, como acidentes de tráfego a alta velocidade, ou quedas de altura elevada.
Têm uma mortalidade muito alta, tendo em conta que o débito cardíaco é de 5 litros/min
e que o volume sanguíneo total é de 5 litros.
Lembre-se da possibilidade de tamponamento
cardíaco em presença de um traumatismo torácico penetrante. 17
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Traumatismo abdominal
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O abdómen é frequentemente afectado no politraumatizado. Em caso de ferida
penetrante, é o fígado o órgão afectado. No traumatismo fechado, o baço é o mais
frequentemente afectado.
A avaliacão inicial do doente com traumatismo abdominal deve incluir A (via aérea e
coluna cervical), B (ventilação), C (circulação), D (disfunção do sistema nervoso central
e avaliação neurológica) e E (exposição).
Todo o doente politraumatizado deve ser tratado como portador de um traumatismo
abdominal, até prova em contrário. Um traumatismo abdominal não diagnosticado passa
a ser uma causa comum de morte evitável após um politraumatismo.
Basicamente há dois tipos de traumatismo abdominal:
• Traumatismo penetrante, onde a avaliação cirúrgica é importante, por exo
:
- Disparo de arma de fogo.
- Lesão por arma branca.
• Ferida contusa, por exo
:
- Compressão.
- Esmagamento.
- Lesão por cinto de segurança.
- Lesões por aceleração/desaceleração bruscas.
Em cerca de 20% dos doentes com hemoperitoneu agudo (colecção de sangue na
cavidade peritoneal), não há sinais de irritação peritoneal na primeira exploração; insistir
na suspeita clínica de traumatismo abdominal e reavaliar repetidamente estes doentes.
Os traumatismos fechados são muito difíceis de avaliar, especialmente no doente
inconsciente. Estes doentes podem necessitar de uma lavagem peritoneal (discutido
numa sessão prática). Uma laparotomia exploradora pode ser o melhor instrumento
diagnóstico para excluir lesões abdominais.
A exploracão abdominal deve incluir uma exploração rectal detalhada, para determinar:
• Tónus do esfíncter.
• Integridade da parede.
• Presença de sangue.
• Posição da próstata
Lembre-se que deve explorar a presença de sangue no meato urinário.
A cateterizacão vesical é importante (cuidado no doente com traumatismo da bacia) 18
Até prova em contrário, toda a mulher deve ser tratada como se estivesse grávida. O feto
pode salvar-se e a melhor maneira de consegui-lo é reanimando a mãe. Contudo, uma
grávida de termo geralmente só pode ser adequadamente reanimada depois o parto. Esta
difícil situação deve ser avaliada no momento.
A lavagem peritoneal de diagnóstico (LPD) pode ser útil para detectar a presença de
sangue ou líquido peritoneal livre após um traumatismo abdominal. Os resultados podem
ser altamemte sugestivos, mas o seu valor foi exagerado como prova diagnóstica. Se há
alguma dúvida, está indicado fazer uma laparotomia.
Entre as indicações para realizar uma lavagem peritoneal, inclui-se:
• Dor abdominal de etiologia desconhecida.
• Traumatismo na parte inferior do tórax.
• Hipotensão, ou queda do hematócrito sem causa aparente.
• Qualquer doente com traumatismo abdominal e com alteração do nível de consciência
(drogas, álcool, dano cerebral)
• Traumatismo abdominal associado com traumatismo medular.
• Fracturas da bacia.
São contra-indicacões relativas para uma LPD:
• Gravidez
• Cirurgia abdominal prévia.
• Falta de experiência do operador
• Se o resultado da prova não vai mudar a conduta com o doente.
Outras áreas de interesse no traumatismo abdominal:
As fracturas da bacia podem associar-se a hemorragias massivas e dano urológico.
A exploracão rectal é essencial para confirmar a posição da próstata, assim como a
presença de sangue nas fezes ou de lesão perfurante do recto.
Deve obter-se uma imagem radiológica da bacia se o diagnóstico clínico é difícil.
O tratamento das fracturas da bacia deve incluir:
• Reanimação (ABC)
• Transfusão
• Imobilização e avaliação para cirurgia.
• Analgesia.
As fracturas da bacia produzem muitas vezes perdas hemáticas massivas 19
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Traumatismo Craneano
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O atraso na avaliação inicial dos doentes com traumatismo craneoencefálico pode ter
consequências desastrosas em termos de prognóstico e sobrevivência do doente. A
presença de hipoxia e hipotensão em tais doentes duplica a sua mortalidade.
Os seguintes quadros clínicos são potencialmente mortais mas difíceis de tratar num
hospital distrital. É importante tratar somente aquilo que podemos manejar de acordo
com os nossos conhecimentos e recursos, e avaliar os doentes de maneira adequada.
Devemos reconhecer e tratar imediatamente os seguintes quadros clínicos:
• Hematoma extradural agudo, que se apresenta classicamente com os sinais de:
- Perda de conhecimento depois de uma fase lúcida, com deteriaração rápida.
- Hemorragia devida a lesão sobre a artéria meníngea média, com elevação rápida da
pressão intracraneana
- Presença de hemiparesia no lado contrário do lado afectado, com pupila midriática
do mesmo lado da lesão.
• Hematoma subdural agudo - com sangue coagulado no espaço subdural,
acompanhado de contusão severa do parênquima cerebral subjacente. Produz-se por
laceração de alguma das veias entre o córtex cerebral e a dura.
O tratamento destes dois quadros clínicos é cirúrgico, e devem fazer-se todos os
esforços necessários para se efectuar orifícios de descompressão no crâneo.
Os quadros clínicos seguintes requerem tratamento médico conservador, já que a cirurgia
não melhora o prognóstico.
• Fracturas da base do crâneo - hematomas nas pálpebras (olhos de Racoon) ou sobre
a apófise mastóide (sinal de Battle), a perda de líquido cefalorraquídeo (LCR) pelos
ouvidos e/ou nariz.
• Contusão cerebral - com alteração temporária da consciência
• Fractura do crâneo com afundamento - impactação de um fragmento de crâneo que
pode resultar em lesão da dura ou do próprio parênquima cerebral.
• Hematoma intracerebral - Pode resultar de lesão aguda ou progressiva secundária a
uma contusão.
As alterações do nível de consciência do doente são a forma de apresentação do
traumatismo craneano 20
Os erros mais comuns na avaliação e reanimação no doente com traumatismo craneano
são:
- Erro na reanimação ABC e prioridades no manejo.
- Falta em avaliar para além do óbvio traumatismo craneano.
- Dificuldade na avaliação do estado neurológico de base.
- Falha de reavaliação do doente que se deteriora.
Manejo do trauma craneano
A Via Aérea, Respiração e Circulação são estabilizados (e se possível, imovilizada a
coluna cervical). Os sinais vitais são importantes indicadores no estado neurológico dos
doentes pelo que devem ser frequentemente avaliados e registados. A avaliação do grau
de coma pela escala de Glasgow deve ser efectuada: ver Apêndice 4.
É importante recordar:
• O traumatismo craneano é classificado como severo quando o coma pela escala de
Glasgow é menor ou igual a 8.
• É classificado como moderado quando está entre 9 e 12 da escala de Glasgow
• É classificado como leve entre 13 e 15 da escala de Glasgow
A deterioração do estado do doente pode ocorrer devido a hemorragia
• Pupilas assimétricas ou dilatadas podem ser indicadoras de elevação da pressão
intracraneana
• O traumatismo craneano ou encefálico não é nunca a causa da hipotensão do doente
adulto com trauma
• Evitar sedação, já que não só interfere com a avaliação neurológica do doente, como
pode produzir hipercapnia (devido a depressão respiratória e retencão de CO2)
• O reflexo de Cushing é uma resposta específica a uma elevação letal da pressão
intracraneana. Este é um indicador tardio e de mau prognóstico. Os seus sinais são:
- Bradicardia
- Hipertensão
- Bradipneia
O tratamento médico essencial dos traumatismo craneanos severos deve incluir:
• Intubação e hiperventilação, para obter uma hipocapnia moderada (PaCO2 entre 4.5 e
5 kPa). Isto ajudará a reduzir temporariamente tanto o volume sanguíneo
intracraneano como a pressão intracraneana.
• Sedação com possível paralisia muscular.
• Aporte moderado de líquidos intravenosos para manter uma diurese adequada, i.e.
sem sobrecarga.
• Elevação da cabeceira a 200
• Evitar a hipertermia.
Nunca assumir que o álcool é a causa
da alteração do nível de consciência no doente confuso 21
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TraumatismoVertebral
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A incidência de lesão neurológica no politraumatizado é mais alta do que geralmente se
pensa. As mais frequentes são as lesões dos nervos dos dedos, plexo axilar e medula.
A principal prioridade é fazer a avaliação primária segundo o esquema ABCDE:
• A - manutenção da patência das vias aéreas com atenção especial à coluna cervical.
• B - controlo ou suporte respiratório.
• C- controlo circulatório com monitorização da tensão arterial.
• D – observação do grau de disfunção do sistema nervoso (défice neurológico e nível
de consciência)
• E- exposição do doente para a identificação de lesões cutâneas ou dano nas
extremidades.
A exploração do doente com trauma vertebral deve ser feita com o doente em posição
neutra (i.e. sem flexão, rotação ou extensão) sem nenhum movimento da sua coluna. O
doente deve:
• Ser movido em bloco como uma estrutura rígida (apresentado numa das sessões
práticas.
• Imobilizado adequadamente (imobilização em alinhamento, colar cervical e sacos de
areia de ambos os lados da cabeça para fixá-la).Isto será apresentado em sessão
prática.
• Transportado em posição neutra.
Quando se suspeita de uma lesão vertebral (que pode estar associada a lesão medular),
deve-se procurar:
• Dor à palpação.
• Deformidades, assim como “ressalto” sobre a coluna.
• Edema (inchaço).
O quadro clínico indicativo de lesão cervical inclui:
• Dificuldade respiratória (respiração diafragmática – procurar a presença de respiração
paradoxal)
• Paralisia flácida, com ausência de reflexos (verificar reflexo do esfínter anal).
• Hipotensão com bradicardia (sem hipovolémia).
Rx da coluna cervical (se possível): Para além da exploração radiológica inicial, todos
os doentes com suspeita clínica de traumatismo cervical devem fazer Rx AP e lateral da
coluna cervical, que deve incluir a articulação atlanto-axilar. Devem visulizar-se as sete
vértebras cervicais em ambas projecções.
Atencão: Nunca se deve transportar um doente com suspeita de lesão cervical
na posição sentada ou em decúbito ventral. Assegure-se que o doente está
estabilizado antes da transferência. 22
Avaliação neurológica
Deve determinar-se o nível da lesão. Se o doente está consciente, fazer perguntas
relevantes sobre a sensação, e pedir-lhe que faça pequenos movimentos para avaliar a
função motora, nos membros superiores e inferiores.
Em seguida resumem-se os sinais chave para a determinação do nível da lesão:
Resposta motora
• Diafragma intacto C3, C4, C5
• Elevação dos ombros C4
• Bíceps ( flexão do cotovelo ) C5
• Extensão do punho C6
• Extenção do cotovelo C7
• Flexão do punho C7
• Abdução dos dedos C8
• Respiração profunda T1-T12
• Flexão da anca L2
• Extensão do joelho L3-L4
• Flexão dorsal do pé L5-S1
• Flexão plantar do pé S1-S2
Resposta senstiva
• Face anterior da coxa L2
• Face anterior do joelho L3
• Face antero-lateral do tornozelo L4
• Dorso do primeiro e segundo dedos L5
• Face lateral do pé S1
• Face posterior da perna S2
• Sensação peri-anal (períneo) S2-S5
NB Se não há função sensorial nem motora com uma lesão medular completa, as
possibilidades de recuperação são mínimas.
A perda da função autónoma associada à lesão
medular pode ocorrer rapidamente, mas a recuperação é lenta. 23
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Traumatismo dos membros
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O exame deve incluir:
• Côr e temperatura cutâneas.
• Avaliação dos pulsos periféricos.
• Erosões e pontos sangrantes.
• Alinhamento e deformidades dos membros.
• Mobilidade activa e passiva.
• Movimentos pouco usuais e crepitação.
• Intensidade da dor causada pelas lesões.
O tratamento das lesões das extremidades deve ter como objetivos:
• Manter os tecidos perfundidos.
• Prevenir a infecção e a necrose.
• Evitar lesão dos nervos periféricos
Aspectos especiais no manejo do trauma dos membros
• Deter a hemorragia mediante pressão directa, é melhor que mediante o uso de
torniquetes, que podem não ser retirados por erro e isto podem provocar lesão
isquémica.
• Fracturas expostas. Qualquer ferida situada nas proximidades duma fractura deve ser
tratada como comunicante com esta. O seu tratamento deve incluir:
- Parar a hemorragia.
- Imobilização e analgesia.
• O síndrome compartimental é causado pela elevação de pressão interna nos
compartimentos fasciais; esta pressão produz uma compressão de vasos e nervos
periféricos situados nestas regiões. A perfusão fica limitada, os nervos lesados e o
resultado final é isquemia ou mesmo necrose muscular, com função limitada.
• Em caso de amputação traumática, o fragmento amputado deve cobrir-se com
compressas de gase estéreis humedecidas em soro salino e envolvido por um saco de
plástico estéril. Um membro amputado não arrefecido pode ser reimplantado dentro
das 6 horas seguintes ao acidente, e dentro das18-20 horas seguintes se é arrefecido.
Os corpos estranhos profundamente situados
devem permanecer in situ até ao momento da exploração cirúrgica da ferida. 24
Tratamento dos membros: Fasciotomia precoce
O problema dos síndromes compartimentais é frequentemente subvalorizado:
• Lesão tecidular devido a hipoxia: os síndromes compartimentais com pressões
intramusculares elevadas e colapso circulatório local são frequentes nos casos de
traumatismo com hematomas intramusculares (IM), lesões por esmagamento,
fracturas ou amputações. Se a pressão de perfusão (pressão sistólica) é baixa, mesmo
uma ligeira elevação da pressão IM causa hipoperfusão local. Com uma temperatura
corporal normal, a perfusão muscular periférica começa a diminuir a uma tensão
arterial sistólica de 80 mm de Hg.
• A lesão de reperfusão é, com frequência, séria: se há hipoxia local (pressão IM
elevada, hipotensão arterial) durante mais de 2 horas, a reperfusão pode causar lesão
vascular importante. É por isso que a descompressão dos compartimentos deve ser
feita o mais cedo possível. São particularmente de maior risco, os compartimentos do
antebraço e da perna.
Uma vez controlada a hemorragia, recomenda-se a realização imediata de fasciotomia
dos compartimentos do antebraço da perna, sempre que a evacuação para um centro de
atenção médica demore mais de 4 horas. A fasciotomia pode ser levada a cabo por
qualquer médico ou enfermeiro sob anestesia com ketamina nos hospitais locais.
________________________________________________________________________
Casos especiais de trauma
_____________________________________________________________
Traumatismos pediátricos
Os acidentes são uma das principais causas de morte em crianças de todas as idades, com
uma incidência mais elevada nos rapazes. A sobrevivência das crianças que sofrem de
trauma major depende do tratamento que recebem antes de chegar ao hospital e da
ressuscitação inicial.
A avaliação primária do doente pediátrico politraumatizado é idéntica à do adulto. A
primeira prioridade é a via aérea, respiração, depois circulação, avaliação neurológica
inicial, e finalmente exposição da criança sem perda de calor.
Os valores fisiológicos ’NORMAIS’ pediátricos constam no Apêndice 2.
Contudo, há diferenças importantes quanto à reanimação e manejo da via aérea do doente
pediátrico, como por exemplo:
• A cabeça, a língua são relativamente maiores que no adulto
• As crianças respiram habitualmente pelo nariz, por ser a via aérea de maior tamanho.
• O ângulo da mandíbula é maior, a laringe está situada mais cranealmente e a epiglotis
tem forma de “U” e é proporcionalmente maior.
• A região cricoideia é a zona mais estreita da laringe e é a que limita o tamanho do
tubo endotraqueal. Quando se chega à idade adulta, a cartilagem cresceu e a parte
mais estreita da via aérea são as cordas vocais.
• A traqueia de um recém nascido a termo tem 4 cm de comprimento e pode alojar um
tubo de 2.5 a 3 cm de diâmetro interno (a traqueia do adulto tem em média, 12 cm de
comprimento)
• A distensão gástrica é uma complicação frequente ao reanimar um doente pediátrico,
e uma sonda nasogástrica pode ajudar a descomprimir o estômago.
Se é necessário intubar um doente, evitar tubos endotraqueais sem cuff em crianças
menores de 10 anos, para reduzir assim o risco de edema e ulceração da região
subglótica. Por outro lado, a intubação em crianças pequenas é sempre mais fácil pela
boca que pelo nariz.
Doente pediátrico em choque: (Ver Apêndice 2)
As melhores regiões anatómicas para palpar pulsos periféricos no doente pediátrico são a
região inguinal e a fossa antecubital do cotovelo. Se não se palpa o pulso, começar de
imediato a ressuscitação.
Os princípios básicos de tratamento do
doente pediátrico são os mesmos que no doente adulto. 26
Os sinais de choque no doente pediátrico incluem:
• Taquicardia
• Pulsos periféricos fracos ou ausentes
• Preenchimento capilar prolongado > 2 segundo
• Taquipneia
• Agitação
• Sonolência
• Diminuição do débito urinário
A hipotensão pode ser um sinal tardio, mesmo nos doentes em choque severo.
O acesso venoso deve obter-se mediante a inserção de duas cânulas intravenosas de
grande calibre. Tentar primeiro acesso nas veias periféricas e evitar as veias centrais.
Dois bons sítios para a canulação periférica são a veia safena na face interna do
tornozelo e a veia femural na região inguinal.
O acesso intraósseo é relativamente seguro e um método muito eficaz para a
administração de fluidos. Se não se dispõe de uma cânula intraóssea, pode utiliar-se uma
agulha de raquianestesia. O melhor lugar para tentar o acesso intraósseo é a face
anterointerna da tíbia, abaixo da tuberosidade tibial. A zona de crescimento epifisário
deve ser evitada.
A reposição de volume tem como objectivo a obtenção de um volume de urina entre 1 e
2 ml/kg/hora no recém nascido e de 0.5 a 1 ml/kg/hora no adolescente. Deve-se começar
com um bólus inicial de 20ml/kg de peso de soro fisiológico. Se não se obtem o efeito
desejado, pode-se repetir e se mesmo assim não se obtem resposta deve-se administrar 20
ml/kg de sangue do mesmo grupo ou 10 ml/kg de concentrado de glóbulos vermelhos do
grupo O negativo, se disponível.
A hipotermia é um grande problema na população pediátrica. Perdem proporcionalmente
mais calor pela cabeça. Todos os líquidos administrados devem ser previamente
aquecidos. Devido a uma relação superficie cutânea/volume muito elevada, a hipotermia
converte-se num problema sério. A exposição da criança durante a avaliação é necessária
para detecção de outras lesões, mas deve ser coberta o mais cedo possível.
A criança deve manter-se aquecida e junto da família, se a situação o permite.
Gravidez
As prioridades ABCDE são as mesmas que na doente não grávida.
Durante a gravidez, produzem-se uma série de alterações anatómicas e fisiológicas que
são de uma importância capital na avaliação da grávida politraumatizada.
Alterações anatómicas
O tamanho do útero aumenta gradualmente e converte-se num órgão muito mais
vulnerável, tanto no traumatismo fechado como no traumatismo penetrante.
• Às 12 semanas de gravidez, o fundo do útero encontra-se a nível da sínfise púbica.
• Às 20 semanas, chega a nível do umbigo.
• Às 36 chega a nível do apêndice xifoide.
• O feto está protegido nos primeiros meses de gravidez por um útero de parede espessa
e grandes quantidades de líquido amniótico.
Alterações fisiológicas
• Aumento do volume corrente e alcalose respiratória.
• Aumento da frequência cardíaca.
• Aumento do débito cardíaco em 30 %.
• A tensão arterial é geralmente 15 mmHg mais baixa.
• Compressão aortocava no terceiro trimestre com hipotensão arterial.
Aspectos especiais da grávida politraumatizada
• Um traumatismo fechado pode produzir:
- Estimulação uterina e parto prematuro.
- Rotura parcial ou completa do útero.
- Descolamento placentar parcial ou total (pode apresentar-se até 48 horas depois do
traumatismo)
- Em caso de fractura da bacia, atenção à potencial severa perda de sangue.
Quais são as prioridades?
• Avaliar a mãe de acordo com as prioridades ABCDE.
• Reanimar a mãe em decúbito lateral esquerdo para evitar a compressão aortocava.
• Exame vaginal (espéculo) para detecção de hemorragia vaginal e dilatação cervical.
• Marcar a altura do fundo do útero, avaliar a dor nesta região, e monitorizar a
frequência do foco.
A reanimação da mãe pode salvar o feto. Em algumas ocasiões em que a vida da mãe
está em perigo, pode ser necessário sacrificar o feto para salvar a mãe.
A compressão aortocava deve ser prevenida na reanimação da grávida
politraumatizada. Lembrar a posição em inclinação lateral esquerda. 28
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Queimaduras
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O doente queimado tem as mesmas prioridades que qualquer outro doente
politraumatizado.
Avaliação inicial: Via aérea, Respiração (atenção à inalação e compromisso da via
aérea), Circulação (reposição de volume), Disfunção do sistema nervoso central
(síndrome compartimental), Exposição (percentagem da queimada).
É importante conhecer o agente causal da queimadura, isto é, fogo, água quente, petróleo,
keroseno, etc. As queimaduras eléctricas são, com frequência, mais graves do que podem
parecer. Lembrar que a lesão muscular e da pele podem produzir insuficiência renal
aguda.
Aspectos essenciais:
• Parar a queimadura
• ABCDE e determinação da área queimada (Regra dos 9)
• Bom acesso endovenoso e reposição precoce de volume.
Aspectos específicos no doente queimado
Os seguintes sinais podem ajudar a detectar e tratar de maneira precoce o dano
respiratório no queimado:
• Queimaduras em redor da boca.
• Queimaduras na face ou pêlos faciais ou nasais chamuscados.
• Rouquidão, tosse irritativa.
• Evidência de edema da glote.
• Queimaduras em redor do tórax ou pescoço.
A intubação oro ou nasotraqueal está especialmente indicada se o doente apresenta severo
agravamento da rouquidão, dificuldade na deglutição de secreções, ou aumento da
frequência respiratória, com história clínica compatível com lesão por inalação.
O doente queimado necessita de uma solução de cristalóides de pelo menos 2-4ml /Kg de
peso, multiplicado pela percentagem de superfície queimada, durante as primeiras
24 horas para manter um débito cardíaco adequado e uma produção de urina apropiada.
Calculado o volume total, administrar da seguinte maneira:
• Metade da quantidade estimada nas primeiras 8 horas.
• A outra metade nas 18 horas seguintes de modo a manter um débito urinário de 0.5 a
1 ml/kg/hora.
Proceder ao seguinte (se possível):
• Aliviar a dor
• Algaliar, se queimadura >20%
• Colocar sonda nasogástrica
• Profilaxia do tétano
Os sinais clínicos de dano por inhalação podem não aparecer nas primeiras 24 horas. 29
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Transporte do doente com trauma
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O transporte de doentes tem os seus riscos. Requer boa comunicação, planificação e de
pessoal preparado para o efeito. Todo o doente que requer ser transportado deve ser
convenientemente estabilizado antes da sua saída. Como princípio geral, só se deve
transportado um doente quando o hospital que o vai receber pode prestar-lhe um
tratamento mais avançado.
A planificação e preparação devem ter em conta:
• O meio de transporte (carro, 4x4, barco, etc)
• O pessoal que deve acompanhar o doente.
• O equipamento de monitoragem e de material necessário no transporte para
tratamento de rotina e de emergência.
• Potenciais complicações.
• A monitorização e a preparação final do doente.
É essencial uma comunicação efectiva com:
• O centro que vai receber o doente.
• O meio de transporte.
• O pessoal que acompanha o doente.
• O doente e seus familiares.
A estabilização do doente necessita de:
• Pronta reanimação inicial.
• Controle da hemorragia e restabelecimento circulatório.
• Imobilização das fracturas.
• Analgesia.
Lembrar que: Se o doente volta a deteriorar, reavaliar utilizando os conceitos da
avaliação primária, identificando e tratando as complicações que se apresentam, fazendo
depois uma avaliação cuidadosa com especial atenção do sistema ou sistemas afectados.
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Esteja alerta: se algo pode correr mal,
irá acontecer, e sempre no momento mais inoportuno30
Apéndice 1 - Técnicas de manejo da via aérea
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Técnicas básicas
• Elevação do queixo e subluxação da mandíbula
A manobra de elevação do queixo consegue-se colocando dois dedos por baixo da
mandíbula e puxando suavemente para cima de modo a levar o queixo para a frente.
Durante esta manobra, não se pode fazer a hiperextensão do pescoço. (Esta técnica será
demonstrada em sessão prática).
A subluxação da mandíbula consegue-se elevando manualmente os ângulos da
mandíbula para obter o mesmo resultado (Esta técnica será demonstrada em sessão
prática).
• Cânula de Guedel
A cânula de Guedel é inserida na boca, com a concavidade virada para cima até ao palato
duro rodando-a depois 180º. Deve introduzir-se com cuidado particularmente nas
crianças pelo risco de dano dos tecidos moles.
• Tubo nasofaríngeo
É inserido por um dos orifícios nasais (bem lubricado) até chegar à parte posterior da
faringe. É bem tolerado.
Técnicas avançadas
Intubação orotraqueal
Se não controlada, esta técnica pode causar hiperextensão do pescoço. É essencial manter
imobilização em alinhamento (cabeça em posição neutra, com a ajuda dum assistente).
(Esta técnica será demonstrada em sessão prática).
Deve-se exercer pressão sobre a cartilagem cricoide se há suspeita de estômago cheio.
Insufla-se o cuff e comprova-se a posição do tubo comprovando murmúrio vesicular
bilateral pela auscultação.
Lembrar: os doentes com traumatismo facial e cervical
correm o risco de obstrução da via aérea. 31
Considerar a intubação traqueal quando há necessidade de
• Manter uma via aérea permeável e prevenir o risco de aspiração do conteúdo gástrico.
• Administrar oxigénio quando não se pode utilizar uma máscara e um Guedel.
• Ventilar e prevenir a hipercapnia.
Este procedimento não deve levar mais de 30 segundos. Se não se consegue intubar,
deve-se continuar a ventilar o doente. Lembrar que: os doentes morrem por falta de
oxigénio, não por falta de um tubo endotraqueal.
• Cricotiroidotomía cirúrgica
Esta técnica está indicada em todo aquele doente que se tentou intubar e não se conseguiu
e que não é possível ventilar. A membrana cricotiroideia é identifica pela palpação; faz-se
uma incisão longitudinal na pele até atingir a membrana cricoideia. Utiliza-se uma pinça
para alargar a incisão, para inserir um tubo endotraqueal de 4-6cm de diâmetro interno
(ou um tubo de traqueostomia de pequeno calibre).
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Antes que qualquer doente politraumatizado chegue ao serviço de urgência, as funções a
desempenhar devem ser identificadas e atribuídas a cada um dos membros da equipa de
trauma.
Membros da equipa do trauma (dependente da disponibilidade)
Idealmente:
• Médico ou outro trabalhador de saúde experiente de serviço à urgência (chefe de
equipa)
• Enfermeira de serviço à urgência
• 1 ou 2 assistentes
Funções da equipa do trauma
Chefe de equipa (Médico) (Enfermeira)
1. Coordena ABC’s 1. Ajuda a coordenar a reanimação inicial
2. História pessoal e familiar 2. Ligação com familiares
3. Pedido de RX (se possível) 3. Verificar documentos incluindo:
4. Efectuar avaliação secundária - Alergias
5. Considerar profilaxia do tétano e antibióticos - Medicação
6. Reavaliar o doente - História pregressa
7. Preparar o doente para o transporte - Última refeição
8. Documentação completa - Acontecimentos que levaram à lesão
4. Notificar a equipa de enfermagem de
outras áreas
À chegada do doente é necesario fazer uma avaliação rápida global.
Isto é denominado TRIAGEM.
Esta avaliação global ajuda a priorizar o tratamento do doente de acordo com:
- Recursos humanos
- Meios disponíveis.
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